quinta-feira, 11 de agosto de 2016

A amargura é uma das marcas da arrogância de uma pessoa narcisista

Embora raramente seja identificada ou reconhecida como tal, a amargura é uma das marcas da arrogância de uma pessoa narcisista. Vivemos permanentemente na contingência de sermos aceitas, compreendidas, amadas, acolhidas e afagadas ou sermos rejeitadas, menosprezadas, desqualificadas, incompreendidas ou molestadas pela fala ou pelos atos - propositais ou inadvertidos - das outras pessoas. A pessoa narcísica, contudo, por pensar que é perfeita, que não tem defeitos, que está sempre muito acima do comum dos mortais, simplesmente não imagina que alguém possa vê-la de maneira diferente.

É claro que ninguém gosta de passar por experiências negativas, desconfortáveis e dolorosas. Mas, certamente, viver inclui passar por tais experiências, sempre ou, pelo menos, uma vez ou outra na vida.

Ficamos felizes quando nos reconhecem e aplaudem, assim como nos sentimos no mínimo um certo mal-estar quando criticam aspectos da nossa personalidade ou da nossa conduta no dia-a-dia.

Pessoas autocentradas, psiquicamente estáveis, quando sofrem esses desmerecimentos procuram antes de tudo examinar se eles têm fundamento ou não, até onde são realmente culpadas pelo desprezo ou incompreensão que receberam dos outros. Se for o caso, empe nham-se em mudar o seu comportamento, de modo a evitar tais dissabores no futuro. Se concluírem que não, limpam a poeira da rasteira que tomaram e partem para outra, "machucadas mas inteiras".

A pessoa narcísica definitivamente não age assim. Pelo contrário, empenha-se em desqualificar as avaliações do outro ao seu respeito: como é que fulano não percebeu que eu sou uma pessoa "especial", merecedora de toda consideração do mundo e isenta de qualquer culpa pelas coisas que eu passo? Por se julgar acima do comum dos mortais, a pessoa narcísica sente-se permanentemente injustiçada, incompreendida, desqualificada e excluída pelo mundo à sua volta. Considera os outros sempre culpados por ela ter agido como agiu ou por estar passando, desnecessariamente, na visão dela, pelos sofrimentos e vicissitudes atuais.

É daí que resulta o que chamo de amargura narcísica. A arrogância da pessoa narcisista transforma-se numa espécie de "ira amarga", todas as vezes que ela percebe que o mundo não está lhe dando o "tratamento vip" que ela acha que merece. Trata-se de um sentimento muito doloroso, pois ela, na sua patologia existencial de se julgar o centro do mundo, realmente não entende porque o mundo não a está tratando de modo especial que ela pensa que merece.

Incapaz de reconhecer erros e defeitos em si mesma, ou mesmo de aceitar os fatos da vida tal como eles são, a pessoa narcísica acha que os outros - o mundo - é que precisa mudar, não ela. Ou seja, sua vida só vai melhorar no dia que os outros mudarem. No dia que os outros a aceitarem como ela é, no dia em que a compreenderem, no dia em que reconhecerem e respeitarem os seus (enormes) talentos pessoais, no dia que lhe derem a chance de mostrar ao mundo como ela é competente e capaz, etc., etc., etc.

Uma pessoa autocentrada sabe que só pode mudar a si mesma, e assim mesmo naqueles aspectos que ela der conta. No outro, é impossível da gente mexer. O outro só muda quando ele quiser e/ou tiver seus próprios motivos para mudar. E o processo de mudança do outro definitivamente não é da conta de ninguém, exceto dele mesmo.

É nessa hora que fica nítida a arrogância da amargura na pessoa narcísica: ela quer mudar o outro para que o outro a veja como ela acha que é: uma pessoa perfeita que está sendo injustiçada pela incapacidade do mundo de enxergar a sua perfeição.

O que quase ninguém percebe é que, por trás da máscara da amargura, existe uma criança narcisista, instalada num grau muito elevado de carência e frustração, "exigindo" que o mundo lhe dê colo, afeto e "palco".

(Letícia Lanz)

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