quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Destransicionar sim! Por que não?

Dentro da população cisgênera, as pessoas fundamentalistas de gênero ficam chocadas quando veem alguém transicionar de uma categoria oficial de gênero para outra, isto é, do masculino para o feminino ou do feminino para o masculino. Essas mesmas pessoas se sentem aliviadas (e de alguma forma vingadas) ao saberem que alguém destransicionou, isto é, voltou a viver com a mesma identidade de gênero que a sociedade lhe conferiu ao nascer, em função do seu órgão genital. Dentro do gueto transgênero, a coisa funciona exatamente ao contrário, ou seja, transfundamentalistas de gênero ficam faceiras e lisonjeadas ao verem alguém transicionar, como ficam completamente transtornadas ao verem alguém destransicionar o que, na opinião delas, representa a quintessência da “irresponsabilidade existencial”. 

Tendo sido o gênero totalmente naturalizado ao longo do processo civilizatório, adquirindo o status de inexorável disposição da natureza com o qual disfarça sua condição de dispositivo de controle artificial e arbitrariamente criado pela sociedade, não é de se estranhar que tantas pessoas, cis ou trans, o reconheçam e legitimem como atributo fixo na vida das pessoas 

O que tanto as pessoas cisfundamentalistas quanto as transfundamentalistas de gênero não compreendem, não percebem ou simplesmente não querem aceitar é que gênero não é um atributo fixo e imutável em cada pessoa. Pelo contrário, gênero é um atributo altamente fluído e flexível que pode mudar imensamente ao longo da vida de uma pessoa. Basta que a pessoa recuse ser vítima ou, no melhor dos mundos, que não mais se exerça sobre ela nenhum tipo de vigilância e de terrorismo de gênero, mecanismos graças aos quais as pessoas vão permanecendo indefinidamente fieis aos “discursos generificadores” da sociedade. O que está ficando cada vez mais evidente, tanto com o aumento do número de transições quanto com o aumento do número de destransições, é que transicionar e destransicionar, longe de serem epifanias ou cataclismos na vida das pessoas, como querem cis e trans fundamentalistas de gênero, são fenômenos absolutamente comuns e “normais” na espécie humana, que só não se manifestavam com maior frequência devido ao exagerado controle social sobre a manutenção da identidade de gênero recebida ao nascer. Controle esse que, felizmente, de um jeito ou de outro, está enfraquecendo e se tornando cada vez menos rígido na sociedade contemporânea. 

(Letícia Lanz)

4 comentários:

pintura em tela disse...

Concordo Letícia Lanz. Acho super natural tanto a transição quanto a destransição.

Unknown disse...

Texto interessante, Letícia! Reflexão...

Unknown disse...

Muito bom. Eu estou transicionando depois dos 40 e tô esperando chumbo grosso sobre mim. Mas tudo bem, a vida é feita de batalhas...

Unknown disse...

Transição não é pra quem acha que quer,é pra quem tem certeza.É um caminho sem volta.principalmente se a cirurgia genital ja foi realizada.