segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O combate à transfobia tem que começar dentro do próprio gueto transgênero

O combate à transfobia, ao preconceito, à discriminação e à exclusão de pessoas transgêneras tem que começar dentro do próprio gueto transgênero. Não é possível continuarmos a ouvir tantos horrores e disparates a respeito de gente transgênera que supostamente não se enquadra em cartilhas identitárias do século passado, defendidas a ferro e fogo por lideranças trans-deslumbradas, que melhor se enquadram, como eu digo sempre, na categoria de cisgêneras-enrustidas.

O que essas mentes tolas e despolitizadas não conseguem enxergar é que, ao excluir pessoas por elas "não se enquadrarem" no perfil de transexual (ou de travesti) que elas defendem, fazem com essas pessoas o mesmo que terfs (trans-exclusionary radical feminists) fazem com elas mesmas, ao recusarem, de forma até mesmo grosseira e violenta, a sua inclusão na categoria identitária de mulher.

Senhoras e senhoritas trans-deslumbradas, entendam, de uma vez por todas, que a diversidade não se reduz a duas ou três identidades de gênero, além das clássicas identidades "homem" e "mulher". Há infinitas identidades de gênero no mundo, praticamente uma para cada ser humano, e todas poderiam se manifestar livremente não fosse a repressão que mantém as pessoas presas no binômio oficial de gênero, masculino-feminino. Assim como vocês querem ser consideradas 100% mulher, mesmo que lhes falte um monte de quesitos em relação às "mulheres genéticas", há muitas pessoas que se consideram transexuais e travestis mesmo que lhes falte um monte de quesitos da lista de critérios de enquadramento que vocês adotam, por conta própria, numa postura arrogante, arbitrária e altamente exclusiva e exclusivista.

Não dá pra ter a cara de pau de cobrar menos transfobia da sociedade quando se pratica transfobia, em doses tão elevadas, dentro do próprio gueto transgênero. Há mais pessoas transgêneras no mundo do que pode supor a sua vã filosofia (e bota vã filosofia nisso!). É preciso acolher essas pessoas, em vez de enxotá-las. É preciso compreender essas pessoas e suas razões, em vez de gozá-las. É preciso respeitar o ritmo de cada uma e o seu próprio tempo de sair ou de continuar no armário, em vez de chamá-las de covardes.

Não dá pra esperar nenhum avanço em termos de aceitação da diversidade se as próprias pessoas que se consideram "diferentes" são as primeiras a rechaçar diferenças que não sejam pelo menos "parecidas" com as delas, estabelecendo uma "hierarquia de diferenças" e desigualdades dentro do próprio território da diferença. É preciso que os movimentos identitários existentes se preparem e se abram para lidar com as diferenças que não sejam as das próprias pessoas que estão no movimento. ´É preciso, enfim, que o discurso da diversidade que tanto se ouve por aí deixe de ser mero recurso de retórica, pra fazer bonito em campanha eleitoral, sem a menor repercussão prática em termos de melhoria da vida das pessoas transgêneras.

2 comentários:

Dio Ferreira disse...

Excelente. Essa crítica também vale pra alguns homens trans. Apesar de termos mais militantes que entre as mulheres, alguns caras são extremamente binaristas. Por isso que faço questão de afirmar minha não binariedade, mesmo minha expressão sendo quase completamente masculina.

Unknown disse...

Bravo bravíssimo me identifiquei demais com seu texto me considero uma pessoa transgênero mas por falta de acessórios me vêem como uma cis comum não sou! Me sinto amputada, minha alma grita requerendo ser reconhecida como trans mulher mas me chamam de louça por sentir que estou no corpo errado, tanto pra dizer é ninguém para ouvir, mas você é minha voz