quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Falou em sexo, pensou em putaria

Falou em sexo, pensou em putaria. Péssima associação para o sexo, já que putaria está permanentemente tanto na cabeça das pessoas quanto na mira dos moralismos hipócritas.

Daí todo tema relacionado a sexo ser tratado à boca pequena, na surdina, com visível embaraço e mal-estar por parte das pessoas. Para não demonstrar o interesse libidinoso que sempre cerca o tema e não fornecer munição para a vigilância moral dos mecanismos reguladores da sociedade, as abordagens sobre sexo são repletas de metáforas, mistérios, silêncios, rapapés e visíveis constrangimentos, tanto por parte de quem expõe quanto por parte de quem ouve.

De tal forma que os assuntos relacionados a sexo permanecem invariavelmente vagos e inconclusos, tanto mal expostos pelos apresentadores quanto mal digeridos pelas audiências.

O resultado dessas abordagens “cheias-de-dedos” de tudo relacionado a sexo é uma tremenda imprecisão, especialmente de natureza semântica, de tudo relacionado a sexo. Tirando o sexo como putaria, que todo mundo sabe o que é, de cor e salteado, o resto é nebuloso, confuso e contraditório, como se se tratasse de matéria completamente distante da nossa realidade.

Mesmo pessoas que se apresentam como muito versadas sobre sexo, parecem desconhecer inteiramente as diferenças elementares que existem entre sexo genital e gênero ou entre macho biológico e homem ou fêmea biológica e mulher.

Por outro lado, como há uma permanente demanda insatisfeita por putaria (quem não gosta, levante o dedo), há uma tendência a concentrar-se os assuntos relacionados a sexo ao gozo altamente prazeroso que a atividade sexual proporciona, ou seja, ao sexo como objeto de desejo. 

Com isso, perde-se de vista e subverte-se uma imprescindível abordagem robusta e consistente do tremendo caráter estrutural do sexo na nossa sociedade: sexo como determinante das duas categorias oficiais de gênero – homem e mulher ou masculino e feminino; sexo como fundamento jurídico das relações interpessoais entre os indivíduos; sexo como interdição sociopolítica-cultural e religiosa, dentre inúmeras outras abordagens absolutamente básicas e necessárias de sexo.

É por isso que a maioria das pessoas não consegue enxergar o caráter de fenômeno sociológico das identidades transgêneras (travestis, transhomens, transexuais, crossdressers, dragqueens, etc.) conseguindo vê-las apenas como curiosos “objetos de desejo sexual”. A existência de uma mulher com pinto, de um homem com vagina ou de um macho que reconstruiu sua genitália transformando-a numa vagina plenamente funcional chama muito mais a atenção do que a transgressão das normas binárias de gênero, que rechaçam veementemente tais comportamentos e procedimentos.

Educação sexual não pode reduzir-se de maneira alguma a lições de anatomia, mostrando aquelas imagens de pênis e vagina que invariavelmente provocam risinhos nervosos na turma de adolescentes. Sexo não pode ser confundido com prática sexual – e prática sexual hipocritamente restrita à reprodução humana.

É preciso que o sexo seja visto – e ensinado – como o núcleo polarizador da própria civilização, fonte de pesadíssimas instituições jurídicas que tanto organizam quanto infernizam a vida em sociedade.

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