sábado, 24 de setembro de 2016

Não existe nenhum determinismo biológico para a existência das identidades trans


        Não existe nenhum determinismo biológico que estabeleça a priori a existência de identidades transgêneras ou transidentidades, como sugere o surrado discurso médico-biológico que tenta explicar os desvios e não conformidades de gênero, de natureza essencialmente sociopolítica, a partir de cargas genéticas e descargas hormonais ainda no útero da mãe. Gênero não é um dado da natureza, como ainda supõe boa parte dos ditos profissionais de saúde (e os cristãos fundamentalistas, com base na bíblia...), mas um construção social, apoiada por um elenco de práticas discursivas. Meninos não nascem vestidos de azul, coçando o saco e se armando para brigar uns com os outros, nem meninas nascem vestidas de rosa, de minissaia e maquiagem. Sexo é herdado; gênero é aprendido.

A confusão toda entre sexo e gênero surge do fato da sociedade adotar o sexo genital, que é um atributo da natureza, como critério básico – aliás, único – para promover a designação e o enquadramento das pessoas em uma das duas categorias de gênero por ela criadas e mantidas: homem e mulher ou masculino e feminino. Através desse habilidoso expediente, um atributo da natureza – o sexo genital – é transformado em fundamento da rígida estratificação social das pessoas em homens e mulheres, fazendo todo mundo supor que ser homem e ser mulher é a mesma coisa que ser macho e ser fêmea. Não é.

É com base nessa falácia de que, tendo um pinto (atributo biológico), a pessoa é automaticamente designada como homem (atributo sociológico). A medicina classifica como doente a pessoa que, apesar de ter um pinto (atributo biológico) não se sente nem se reconhece como homem (atributo sociológico). Mas doente não é a pessoa e sim a sociedade que insiste em exigir que o indivíduo se enquadre e funcione como homem em razão do simples fato de ter um pinto, como se o código comportamental de homem, claramente estipulado pela sociedade, já estivesse embutido no código genético de macho. Definitivamente não está.

As chamadas pessoas transgêneras não são doentes, assim como sua “saúde” não pode lhes ser restituída por meio da construção artificial de uma vagina no lugar de um pinto ou de um pinto no lugar de uma vagina, além das características sexuais ditas secundárias, como seios e pelos, que podem proporcionadas pela terapia de reposição hormonal.

Não é que tais práticas não sejam perfeitamente admissíveis e legítimas - elas são! Modificar o próprio corpo, de modo a torná-lo mais confortável ou atraente para a própria pessoa, é um direito inalienável de todo e qualquer ser humano. Só que mudar o próprio corpo não tem nada a ver com adquirir ou modificar o status de gênero, como hoje em dia a medicina praticamente impõe às pessoas transgêneras.  O que precisa e deve ser desconstruído é a ideia de que o sexo seja capaz de determinar a identidade de gênero de uma pessoa.

Nada deve impedir que uma pessoa com pinto se comporte socialmente como mulher, ou que uma pessoa com vagina se comporte socialmente como homem. Esse impedimento não é de maneira alguma proveniente da natureza; não decorre da existência ou da falta de nenhum aparelho biológico específico. Resulta, unicamente, de uma série de restrições, interdições e proibições que definitivamente não foram criadas pela natureza, mas arbitrária e arrogantemente estabelecidas e mantidas arbitrariamente pela ordem vigente na sociedade.