domingo, 25 de setembro de 2016

Vestir ou se comportar como mulher é a pior peja que pode recair sobre um homem

A principal razão para a notória fragmentação identitária da população transgênera, especialmente do segmento MpF (masculino para feminino) é de natureza econômica: travestis são pobres; transexuais são de classe média e alta, assim como os chamados "crossdressers". Classe média, no Brasil, apesar de fodida, não se identifica com pobre.

Se fôssemos seguir estritamente o que dispõe o vernáculo, todas as pessoas que se travestem são travestis, uma vez que travesti não é algo que a gente é, mas algo que a gente faz, como assinalou Virginia Prince, considerada mãe de todas as pessoas transgêneras norte-americanas.

Acontece que dicionário é letra morta. O que vale, mesmo, para o estabelecimento do significado de uma palavra é a versão popular, a lenda, a história em torno dela. E a história em torno do travestismo no Brasil não é nada agradável. Somos uma sociedade patriarcal-machista da pior espécie, que é a espécie que bate feio e esconde o soco inglês dentro da bíblia de fundo falso.

Vestir ou se comportar como mulher é a pior peja que pode recair sobre um homem nesse país. No Brasil, o estigma milenar contra transgêneros caiu com todo o seu peso em cima das travestis, cuja força, tradicionalmente, emerge das ruas, na linha direta de Madame Satã e suas descendentes da Lapa Carioca.

Daí a abundância de eufemismos para tratar a questão transgênera no Brasil. Como esse eufemismo "mulheres que vivenciam a transexualidade" que, além de tosco, é um dos piores arranjos linguísticos com vistas ao politicamente correto que já ouvi por aí. É de doer no ouvido de uma travesti! 

Quanto às tais diferenças identitárias, elas são muito mais provenientes das conveniências dos tecnocratas do que em dados da realidade objetiva. A tecnoburocracia estatal tenta ancorar as necessidades individuais em supostas características e necessidades comuns de “grupos de pessoas transgêneras afins”.

Ora, todas nós sabemos que um atendimento médico não pode estar ancorado em supostas necessidades “grupais”, mas nas necessidades de cada pessoa individualmente. Não se pode prescrever tratamento por atacado, baseado na simples suposição de que alguém faz parte deste ou daquele grupo, dentro de um conjunto de grupos formados muito mais com base no preconceito e na discriminação do que em fundamentos empíricos reais.

Reforço: quem precisa e deve receber assistência médica é a pessoa, individualmente, e não o grupo identitário a que ela supostamente pertence, por mais afinidade que ela tenha com os estereótipos defendidos por esse grupo.

Nenhum médico pode basear o seu diagnóstico e tratamento individual em imaginadas “características coletivas” do grupo a que supostamente a pessoa pertence. Quem, portanto, deve ser treinado são os profissionais de saúde, as atendentes em geral dos serviços de saúde para entenderem e encaminharem corretamente as demandas das pessoas trans.

Apresentem-se essas pessoas com o rótulo que se apresentarem, deverão ser tratadas como pessoas únicas, com características e necessidades particulares e não como clones estereotipados de identidades forjadas pela conveniência de movimentos sociais.

Como se vê, embora a identidade de gênero possa ser importante para afirmação social de pessoas e grupos, na hora do atendimento médico o que deve prevalecer é o dignóstico e o tratamento com base nas necessidades individuais, sob medida para cada pessoa.

Um comentário:

Roberta CrossDressing disse...

O grande problema da Sociedade é tratar todos como iguais, não importando a individualidade de cada um, criam as "regras" e todos temos que nos enquadrar, criando assim os Bovinos Resignados e os que não se enquadram tentam rotular como "Anormais". Como vc mesmo disse - Todo mundo nasce gente, o resto é rótulo.