domingo, 6 de novembro de 2016

Depressão não aparece da noite para o dia

Depressão não aparece da noite para o dia: a maioria das manifestações de depressão tem toda uma história de vida, percorrendo um longo caminho psíquico antes de tornar-se um problema de caráter sistêmico que atinge todo o organismo e necessita, inclusive, do uso de drogas pesadas para se manter o ânimo existencial da pessoa deprimida em um nível “fora de perigo”.

Todavia, esse percurso raramente é descrito, quando muito é mencionado apenas de passagem, na “literatura de revista” que popularmente trata da depressão. Denomino esse percurso de P-I-R-D, ou seja, Pressão-Impressão-Repressão-Depressão.

Dito da maneira mais simples possível, sob a ótica P-I-R-D, a depressão é o estágio final de ajustamento do organismo às pressões recebidas para adequação aos modelos de comportamento e às demandas da sociedade, tanto externa quanto internamente. 

Pode-se dizer que a depressão aparece quando todos os outros mecanismos de ajuste falharam, restando ao indivíduo desistir completamente, de tudo e de todos, inclusive da  própria vida. No último estágio de uma luta insensata e inútil, a prostração e a alienação é o último recurso que a pessoa encontra para responder às demandas externas e internas que não deu conta de atender.

As pessoas humanas só se tornam pessoas humanas mediante pressões sociopolítico-culturais intensas, contínuas e permanentes, que vão "de mamando a caducando", como se diz popularmente de algo que acontece a vida inteira. 

As pressões são realizadas a fim de que as pessoas se adequem, se conformem e se mantenham ajustadas aos modelos de comportamento estabelecidos pela sociedade em que a pessoa vive. Todo mundo sofre essas pressões, assim como todo mundo sabe que não atender às exigências contidas nessas pressões significa entrar em conflito com a sociedade, representada pela família, pela escola, pelo trabalho, pela igreja, pela comunidade, etc.

A função social básica da pressão é gerar impressão nos indivíduos, ou seja, fazer com eles fiquem impressionados, o que equivale a criar internamente uma imagem do que poderia acontecer com cada um se as exigências sociopolítico-culturais contidas nas pressões não fossem assimiladas e obedientemente cumpridas.

É óbvio que os indivíduos que se deixam impressionar mais do que outros são sérios candidatos a graves processos de depressão. Alguém bate palmas e a pessoa impressionável já acha que é tiro e sai correndo. De onde se vê que o problema não é a pressão em si que a pessoa recebe, mas a impressão que a pressão pode causar em cada uma de nós.

Diante das numerosas e contínuas pressões a que estamos sujeitas o tempo todo, a pessoa altamente impressionável é aquela que sai sempre desembestada tentando atender todo mundo, com o objetivo óbvio de ficar bem com todo mundo e jamais magoar ninguém. Ou seja, ser perfeita.

Quanto mais a pessoa se esforça para ser perfeita, tentando se enquadrar nos modelos de conduta estabelecidos pela sociedade, mais ficará sujeita à depressão. A principal causa da depressão é justamente tentar atender a todas as demandas de todo mundo o tempo inteiro, da forma mais perfeita possível, equilibrando-se, a que custo for, para manter uma “fachada” socialmente aceitável.

A impressão transforma a pressão externa em pressão interna. Uma vez o indivíduo tenha ficado impressionado internamente, a pressão externa pode ser diminuída ou até retirada. A pessoa agora já é capaz de se vigiar e de exigir de si mesma sem precisar de nenhuma pressão externa.

Cada impressão interna que fica gera um volume correspondente de repressão, ou seja, de bloqueio da expressão natural de cada pessoa, em favor da sua adaptação às exigências do mundo.

Evidentemente, o acúmulo de repressões internas levará o indivíduo a um grau insuportável de angústia e ansiedade, que poderá desaguar tanto numa crise de explosão (rara, na maioria dos indivíduos, que vivem duramente reprimidos) quanto num processo crônico de depressão (o que acontece mais comumente) ou seja, de insatisfação existencial junto com a sensação de total incapacidade para recuperar o próprio desejo, duramente interditado e abortado, e buscar a sua realização.

Como acabei de mostrar, o fim da depressão não implica necessariamente em se eliminar as fontes de pressão do mundo exterior, coisa que, aliás, na esmagadora maioria das vezes, não está ao alcance de ninguém, mas em trabalhar as impressões internas que as pressões vão nos causando. Essas impressões é que são, na verdade, as verdadeiras fontes da repressão interna e, consequentemente, da depressão.

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