quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Inseminação Artificial

- Vi a senhora na televisão, disse-me a senhora, bem mais velha do que eu, que me abordou defronte a gôndola das massas de tomate, onde eu estava parada, procurando uma marca.
- Ah, viu, é?, respondi simulando surpresa.
- Sim, vi. E fiquei com muita pena da senhora ter sido forçada a viver como menino tendo nascido menina.
- Menina? Mas eu não nasci menina, não. Eu nasci menino.
- Menino? Como assim? Quer dizer que a senhora nasceu com um... Com um...
- A senhora quer dizer com um pênis, né?
- Sim, com um pênis. Nossa! Então eu acho que entendi tudo errado do programa. Eu achei que a senhora tinha nascido menina e foi obrigada a viver como menino.
Pelas barbas de Netuno!
- Desculpe a minha intromissão, mas se a senhora nasceu com um pênis, como é que é uma senhora assim... tão certinha... tão bem aparentada? Ninguém diz que a senhora nasceu menino.
Riso amarelo.
- Então a senhora deve ter operado, como aquela moça, antiga, que também tinha nascido menino e virou menina. Como era mesmo o nome dela?
- Deve ser a Roberta Close (me deu vontade de dizer que era a Rogéria...)
- Sim! Essa mesmo. Roberta Close! Ela era linda! O homem mais lindo que já virou mulher no Brasil. A senhora a conhece?
- Só da televisão. Como a senhora.
Pausa para meditação.
- Mas desculpe a minha intromissão. É que eu estou curiosa. A senhora também operou? A senhora tem cara que operou. É muito feminina. Tem tudo no lugar.
- É, né? (Começando a ficar com falta de paciência)
- Operou, não foi? Pode dizer!
Meus sais, pleeeease! Eu vou surtar!
- Bom, se a senhora acha...
- (triunfante) Ah, eu tinha certeza que tinha operado. É muito certinha para não ter operado. Mas eu vi no programa que a senhora é casada...
Lá vem bomba.
- É. Sou.
- E tem filhos e netos.
- É. Tenho. (Acabei de achar a marca de massa de tomate que eu estava procurando)
- E eles são adotados?
Isso sim, é babado, ô meu.
- Não. São meus mesmo. Meus e da minha mulher, claro.
- Ah, entendi. Foi por inseminação artificial, né?


2 comentários:

Anônimo disse...

Ela assistiu mesmo o programa?
Se tivesse assistido, não teria feito nenhuma dessas perguntas. Aja paciência.

Letícia Lanz disse...

O que eu achei mais interessante nesse episódio, e que eu ainda não tinha percebido com essa clareza, é o como as pessoas percebem e entendem um fenômeno que para a gente está tão claro. A mim me pareceu que a senhora viu o programa, mas entendeu do jeito dela. E foi isso que me intrigou. A colocação final dela, sobre inseminação artificial, deixa margem para a gente concluir que alguém pode entender tudo errado, ou melhor, diferente, do que a gente entende. Isso é algo complicado para quem escreve ou faz filmes, uma vez que uma coisa é o que a gente está tentando dizer e outra coisa é o que as pessoas estão entendendo.