terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Eu, falando para mim mesma, hoje de manhã

Eu, falando para mim mesma: vou ter que te pedir para ser forte. Vou ter que te pedir para reunir suas energias combalidas e levantar da cama para mais um dia. Sei que tu vais te horrorizar com matanças de pessoas inocentes, com abusos, de toda ordem, contra os direitos mais elementares das pessoas, como comer e ter água para beber.

Sei que tu vais te aborrecer com religiões que usam a ideia de um deus superior todo-poderoso como capa e escudo para suas tramoias mundanas, ao mesmo tempo em que espalham suas doutrinas bizarras, que discriminam, ofendem, punem e excluem as pessoas paradoxalmente em nome do amor.

E sei também que vais te enfurecer com o recrudescimento de um machismo torpe, crasso, grosso, violento e cruel que parecia enfraquecido mas que ressurge com uma agressividade devastadora, recidiva de uma doença que assola a humanidade há milênios.

Por causa dessa masculinidade tosca, primitiva e selvagem, o mundo continua longe de ser um lugar seguro e pacífico para vivermos em paz e criarmos nossos filhos, com justiça, igualdade e fraternidade. Não somos sequer uma coletividade, não constituímos um todo integrado, articulado e consciente das necessidades de todas as partes que o compõem. Algumas partes ainda insistem em são melhores e mais importantes do que as outras e as recentes eleições no país que se considera o mais importante do planeta demonstraram que está viva e acesa como nunca as ideias de dominação e competição, em lugar das ideias de convivência pacífica e colaboração entre os seres humanos.

Esse é o horizonte que aí está e que muito provavelmente ainda estará por várias gerações futuras. Isso se, antes disso, o machismo demolidor não acabar inteiramente com o planeta...

Vivemos um momento gravíssimo da história da civilização. Com o nítido progresso dos direitos humanos a partir do final da 2ª guerra mundial, última grande tolice perpetrada pelo machismo destrambelhado, forças muito poderosas do obscurantismo e do atraso político e social conseguiram mais uma vez se reagrupar sob o signo do mal, em nome de conservar o seu poder de manipulação, sujeição e dominação da humanidade. Grupos e ideias que pareciam completamente extintas, estão rapidamente se reunindo e voltam a atacar impiedosamente as conquistas e progressos da humanidade, como o nazismo na "Alemanha das luzes", destruindo em poucos anos o país extraordinariamente progressista que foi a Alemanha no início do século XX.

Ao contrário, as pouquíssimas forças que defendem o progresso da humanidade nunca estiveram tão enfraquecidas e dispersas, discutindo "filigranas" conceituais e operacionais, exatamente como na saga de Tolkien, O Senhor dos Anéis, quando humanos, anões, elfos, ents e hobbits se debatem entre si por ninharias, enquanto as forças de
Sauron, o senhor da escuridão, avançam e se apossam da Terra-média.

Assim, dizia eu para eu mesma, agora de manhã, ou tu sai da cama como for, para lutar com as armas escassas que possuis ou morres aí mesmo, sem teres nem ao menos oferecido resistência à banalidade do mal, como Hannah Arendt definiu os tempos sombrios da 2ª guerra mundial e que hoje estão aí, de novo, completamente revigorados, cheios de fôlego e disposição para fazer mais merda no planeta, segundo eles “em prol” dos valores cristãos, da família, da moral e dos bons costumes.

Um comentário:

Sonia Alvarez disse...

Gosto muito das suas manifestações. Mas gostei mesmo foi da família que você construiu. Parabéns.