quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Cisgênero enrustido

Cisgênero-enrustido é um termo que eu cunhei, sim, que eu uso e vou continuar usando na minha cruzada pela desconstrução do dispositivo binário de gênero. Embora esse termo, ao que parece, continua causando arrepios em muitas pessoas trans que, na verdade, se reconhecem como não se reconhecem “mulher cisgênera” ou homem cisgênero” e não como pessoas transgêneras (eu acho que elas nem sabem o que é isso, mas vá lá).

Basta um pouco de raciocínio linear, esse que a gente utiliza na construção de argumentação com o mínimo de lógica e de fundamento empírico, para entender que o gênero é a fonte de todo o sofrimento imposto às pessoas transgêneras. No entanto, essas pessoas, em vez de usarem massa cerebral, usam pedras para contestar qualquer pessoa – eu encabeçando a lista – que traga uma discussão fora das suas ideias patriarcais-machistas, das suas concepções tolas e estapafúrdias, não poupando adjetivos e expressões chulas para desqualificar, desautorizar e desmoralizar, como forma de se verem livres da tarefa elementar de pensar.

A revolta que o termo tem causado nessas pessoas devia faze-las pensar no seu comportamento, já que tudo que desejam é serem aceitas como membros de um clube que jamais as aceitou – e que jamais as aceitará – enquanto existir o dispositivo binário de gênero – o mais famigerado e repressivo mecanismo de controle até hoje criado pela sociedade humana.

Querer desesperadamente ser homem ou ser mulher – e enquadrar-se nessas categorias da forma mais absoluta possível – corresponde a defender um sistema que até hoje só serviu para gerar cruéis hierarquias e terríveis desigualdades entre os seres humanos. É preciso ser muito egoísta, muito voltado para o próprio umbigo, muito alienado das coisas que se passam no mundo ao redor, para defender um sistema arbitrário, podre, decadente e hipócrita como esse.

Inexiste qualquer evidência científica conclusiva e definitiva sobre a existência de "gens transgêneros", capazes de transformar gens "limpinhos", de homem OU mulher em pervers@s e decaíd@s identidades gênero-divergentes, "desviadas" do dispositivo binário de gênero. Inexiste e, na minha nada modesta opinião, nem poderia existir, posto que a "divergência de gênero" não surge em função de leis naturais, mas em função de normas sociais de conduta, arbitradas em razão do órgão que uma pessoa traz entre as pernas ao nascer.

Qual seria a função de um gen transgênero numa sociedade que simplesmente não dividisse e classificasse as pessoas em de dois e somente dois grupos de papeis e estereótipos sociais de conduta, rigidamente estabelecidos e rigidamente controlados? Esses gens "sobrariam" mais do que jiló na janta numa sociedade onde não houvesse gênero enquanto esse sistema nefasto de divisão e hierarquização dos seres humanos.

Ademais, qual seria a função da busca desatinada por tais gens em supostas “pesquisas acadêmicas”? "Limpar" os fetos antecipadamente, impedindo que inocentes bebês em gestação sejam "contaminados" pela "doença transgênera"? Impedir que eles nasçam "doentes" ou "delinquentes" ou as duas coisas? Esse era o ideal dos nazistas com a sua "raça ariana" - a tal "eugenia" - e a consequente destruição de tudo que pudesse "sujar" a sua "limpeza étnica": judeus, negros, viados, prostitutas, ciganos, pessoas deficientes, etc, etc, etc.

O que mais me assusta é esse discurso - enfadonho e essencialmente nazista - ser repetido com tanta desenvoltura dentro do gueto trans. Por pessoas que reputo ao mesmo tempo despreparadas, desinformadas e mal-intencionadas na sua ambição de se "purificarem" em termos de gênero. Depois eu chamo esse povo de "cisgênero enrustido" e dizem que eu é que sou autoritária, "grossa" e despótica. Posso até ser isso tudo, mas nazista eu nunca fui nem jamais serei, como tampouco aspiro ter a "pureza" cisgênera...

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