por Letícia Lanz.
Prazer é aquele emaranhado de sensações extraordinariamente boas e gostosas que nos levam para as nuvens, fazendo vibrar, de modo único e inconfundível, cada uma e todas as células do nosso corpo, abastecendo-nos de uma energia tão incrível que parece saída da própria Fonte Criadora do universo.
Prazer é aquele emaranhado de sensações extraordinariamente boas e gostosas que nos levam para as nuvens, fazendo vibrar, de modo único e inconfundível, cada uma e todas as células do nosso corpo, abastecendo-nos de uma energia tão incrível que parece saída da própria Fonte Criadora do universo.
Intuitivamente, cada um de nós sabe existir um vínculo essencial entre vida e prazer: - a vida é impossível sem prazer e sem prazer é simplesmente impossível viver. O problema é que a sociedade que construímos está mais próxima de um campo de concentração do que de um parque de diversões. Para a maioria, viver é somente cumprir pena pelo crime... de ter nascido.
A questão é que prazer é essencial, fundamental, absolutamente básico para a sobrevivência - física e psíquica - de qualquer ser humano. Assim, para que ninguém morra de inanição, por falta de prazer, foram convenientemente inventados “prazeres substitutos”, que de alguma forma possam tornar tolerável a vida sem prazer. É que aqui que entram em cena os objetos de consumo, que as pessoas lutam desesperadamente para obter, na esperança de que esses trastes e truques possam ao menos disfarçar um “patrimônio existencial” miserável. Esses "fetiches do prazer" não nos proporcionam nenhum gozo autêntico, mas apenas nos mantêm vivos o suficiente para irmos morrendo lentamente, enquanto damos o nosso sangue na "força de trabalho".
“É proibido gozar” - eis o primeiro mandamento de uma sociedade onde prazer, como tudo a ele relacionado, sempre foi a palavra maldita. Como afirma o senso comum, tudo que pode nos dar prazer é imoral, ilegal ou engorda... A “proibição ao gozo” é matriz de todas as demais interdições que transformam a vida natural e espontânea no tal “vale de lágrimas”, onde tentamos ao menos respirar, debaixo do sufoco da permanente vigilância e repressão moral, sexual, intelectual, política, social, cultural e religiosa.
Oprimidos e reprimidos dentro do próprio corpo, território individual por excelência, tornamo-nos pessoas miseravelmente desamparadas, sofridas e fragilizadas, incapazes e temerosas de expressar a nossa individualidade no mundo. Em vez de “gozar”, manifestando o nosso eu no mundo, repetimos à exaustão surrados padrões de conduta que “gozam” de nós.
Divorciados, em nome da "ordem social", dos nossos desejos mais originais e verdadeiros, como amar e fazer sexo, fomos transformados em presas fáceis das promessas redentoras de religiões e sistemas sociopolíticoeconômicos, que se valem da permanente privação e frustração do nosso desejo para nos seduzir com os seus “jardins de delícias”... naturalmente em "outros mundos"... É lá que poderemos desfrutar de tudo que nos está sendo negado ou a que "renunciamos", por livre e espontânea manipulação. Tudo depois que morrermos, é claro. O “gozo na eternidade” é o prêmio pelo nosso sofrimento no dia-a-dia. A regra é: quem sofre mais, agora, gozará mais, depois. E vice versa, de forma que aos devassos, aos libertinos, aos excêntricos, aos “diferentes” e aos transgressores já está reservado o mármore ardente do inferno.
Somos todos socialmente programados para evitar o prazer e para renunciar ao gozo. Em nome da “ordem” e do “progresso”, a civilização nos transformou em uma horda de inveterados sofredores. Vagamos pelo mundo, ainda hoje, em pleno século XXI, como nas procissões de penitentes da idade média, convictos da nossa própria “culpa” pela “peste” da tentação de sentir prazer. O medo da "punição divina" ainda é tanto que a maioria está disposta a fazer qualquer coisa para se penitenciar da culpa, insuportavelmente pesada, de buscar o prazer.
É preciso que se diga que a culpa é a antítese do prazer.
Culpa é a vergonha profunda e dolorosa de estarmos fazendo algo errado e pecaminoso, algo que vai de encontro à "vontade divina", traduzida em esdrúxulos padrões de “moralidade” que, apesar de esdrúxulos, ainda são cegamente seguidos e têm a adesão incondicional da maioria.
Sobre o prazer, ninguém fala: é proibido. A menos que você queira se expor à "ira" das multidões de "desprazerados" que existem nesse mundo. Quando alguém fala sobre o prazer é sempre com reserva, com indisfarçada vergonha, sussurrando entre os dentes, em geral de maneira totalmente teórica e abstrata, demonstrando uma total falta de jeito com o gozo.
Apesar de ser a erva daninha no jardim da nossa psique, a culpa pode e deve ser exibida em público, como um verdadeiro troféu existencial: - vejam a minha dor! Vejam o quanto eu pago para ser “civilizado”... Prazer não tem status nenhum diante da culpa, cujo grau de “dignidade social” beira a própria santidade. Onde o prazer supre, a culpa suga. Onde o prazer nutre, a culpa parasita. Onde o prazer acolhe, a culpa enjeita e repudia.
Desde que nascemos, somos exaustivamente treinados para sofrer, mas ninguém recebe o mínimo de treinamento de como assegurar-se um nível adequado de prazer neste mundo. Quem aprendeu a se entregar incondicionalmente ao amor? Quem recebeu aulas de como alcançar o orgasmo? Quem se aprimorou em alguma técnica de como prolongar indefinidamente o gozo sexual? Quem aprendeu a rejubilar-se no Espírito? Quem se rende ao prazer com a mesma intensidade com que se entrega à dor? Ainda que estrategicamente omitido nos discursos sobre as maravilhosas virtudes da civilização, o veto ao prazer é o pilar central sobre o qual repousa a sociedade em que vivemos, esse enorme castelo assombrado, cuja função primordial é intimidar e restringir ao máximo o nosso próprio desejo. O funcionamento da "matrix" requer que estejamos inteiramente desligadas das necessidades do nosso próprio corpo, que vivamos fragmentadas em mil peças dentro da engrenagem social à qual devemos nos ajustar a fim de "vencer na vida".
No poema “Estirpe”, Cecília Meireles expressa como ninguém essa "dor-de-que-falo", essa ausência de prazer que transforma a vida das pessoas nesse campo de concentração, onde apenas se adia a hora da “câmara de gás”:
Os mendigos maiores não dizem mais, nem fazem nada. Sabem que é inútil e exaustivo.
Deixam-se estar. Deixam-se estar.
Deixam-se estar ao sol e à chuva, com o mesmo ar de completa coragem,
longe do corpo que fica em qualquer lugar...
Puseram sua miséria junto aos jardins do mundo feliz
mas não querem que, do outro lado, tenham notícia da estranha sorte
que anda por eles como um rio num país...
Ah! os mendigos são um povo que se vai convertendo em pedra.
Esse povo é que é o meu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário