Uma das marcas registradas das pessoas transgêneras que não assumem a sua transgeneridade, é gastar um tempo enorme justificando - para si própria e para quem sabe da sua vida “secreta” - a sua total impossibilidade de viver permanentemente nessa condição. Junto com longas explicações e desculpas, fazem questão de pontuar seu caráter de vítimas de uma sociedade inamistosa e hostil, que não hesitaria em decepar suas cabeças e entregar seus corpos aos abutres caso elas “abrissem o jogo”.
Embora assumir-se como pessoa transgênera seja verdadeiramente um desafio tamanho “extra-grande”, o problema principal das pessoas que vivem armarizadas é o sentimento de impotência, de falta de autoconfiança e de falta de coragem para mostrar ao mundo sua verdadeira cara, com orgulho e dignidade. É muito mais conveniente – e infinitamente menos trabalhoso - culpar tudo e todos que as impedem de se manifestarem abertamente do que encarar as enormes dificuldades que teriam pela frente, se resolvessem assumir suas identidades gênero-divergentes ou sócio-desviantes.
Assim, continuam eternamente com os discursos dos obstáculos insuperáveis e das queixas desesperançadas. Se não fossem os compromissos matrimoniais, familiares, profissionais , religiosos e financeiros... Se as esposas, pais, filhos, parentes e amigos fossem mais abertos e receptivos... Se os ambientes de trabalho não fossem tão machistas... Se o mundo fosse mais acolhedor ou, pelo menos, menos hostil...
Além de não levar a nada, esse blá-blá-blá agrava ainda mais o estado de desamparo e de mudo desespero em que vive esse imenso o contingente de pessoas transgêneras trancadas em seus armários existenciais, auto-tolhidas e auto-incapacitadas de tomar qualquer iniciativa para transformar suas vidas em direção a expressões de si próprias muito mais autênticas e prazerosas.
Umas mais, outras menos, a questão é que toda pessoa transgênera tem muito do que se queixar quanto ao tratamento que recebe em casa, na escola, no trabalho, na comunidade. A aceitação plena, geral e absoluta ainda é um sonho muito remoto numa sociedade que permanece incapaz de aceitar a diversidade e conviver democraticamente com a diferença.
A condição transgênera é, por definição, uma condição de transgressão, de desvio da norma socialmente aceita. E transgressores jamais foram bem recebidos em nenhuma sociedade de nenhuma época.
Essa busca interminável e delirante por aceitação, acolhimento e segurança, nosso mundo transgênero está constantemente conversando sobre a necessidade de haver grandes mudanças na forma de pensar e de agir DOS OUTROS, do mundo exterior, das rígidas e conservadoras estruturas sociais, das tradições, crenças e valores vigentes na sociedade.
Está completamente equivocada, completamente fora da realidade, a pessoa transgênera que aguarda o surgimento de um ambiente mais seguro e acolhedor em que possa expressar publicamente a sua identidade gênero-divergente. Que espera pelo dia em que será integralmente aceita pela família, pela escola, pelas empresas. O dia em que será totalmente integrada à sociedade, podendo finalmente viver e se expressar completamente livre de conflitos, perdas, pressões, repressões, interdições e exclusões de todo tipo possível e imaginável.
Infelizmente, autocomiseração e autopiedade neurótica são comportamentos presentes na maioria das vivências transgêneras. E muitas pessoas trans parecem até mesmo sentir um prazer mórbido ao descrever suas desventuras antes, durante e depois da transição, deixando entender que se trata de um sofrimento interminável, uma dor incurável, cheia de angústia, culpa e frustação.
Se você se convenceu que transicionar é a coisa certa a fazer, a fim de se tornar uma pessoa mais feliz e realizada nesse mundo, independentemente de tudo que pode e que, em alguma medida, realmente vai lhe ocorrer, então vá em frente e transicione.
Mas não se chateie quando descobrir que velhas amizades agora lhe viram a cara, nem se queixe da falta de emprego, de oportunidades, da total invisibilidade social. E nem faça cara de vítima ao narrar sua história, cheia de baixos e nenhum "altos".
A escolha de transicionar foi sua. Lembre-se que você estava trocando uma vida miserável - no armário - por uma vida digna e prazerosa, fora dele. Ou achava que a bela e hipócrita sociedade que condenou você antes ao armário iria recebê-la agora com fogos, champagne e tapete vermelho? Acorda, guria!
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