Quase saltou em cima de mim para me esbofetear de raiva quando eu lhe disse que era ela mesma quem permitia que as pessoas fizessem aquilo com ela. E me rebateu, visivelmente transtornada:
- Você está louca! Quando é que eu ia permitir que alguém me agredisse, me humilhasse, me tratasse dessa forma violenta? Infelizmente, eu não tenho nenhum poder para decidir a minha vida. A única saída que eu tenho é me submeter.
Parei por ali. No seu atual estágio de vida, talvez lhe custasse demais enxergar e praticar a verdade a respeito da sua própria vida. Cada pessoa tem seu ritmo e seu tempo e o dela, infelizmente, ainda não chegou.
A verdade é que todo mundo já traz dentro de si, de fábrica, a capacidade de decidir e de mudar os rumos da própria vida, além do dom de participar decisivamente na mudança da vida de toda a sociedade da sua época.
Acontece, porém, que esse poder ilimitado, de rebeldia e criatividade capazes de produzir grandes transformações pessoais e coletivas, permanece reprimido e recalcado na maioria das pessoas, completamente entorpecido pelo medo e pela insegurança de ser e de agir de modo diferente do resto do bando.
A sociedade, especialmente a família e a escola, nos convence que não temos nenhum poder para tomar decisões e mudar o curso das nossas vidas como bem nos aprouver. Que devemos nos render e seguir incondicionalmente os modelos e padrões que nos são impostos pela sociedade, sem oferecer nenhuma resistência, por mais que consideremos inadequadas essas formas e estilos de vida.
É essa “rendição incondicional” da maioria aos projetos de organização política da sociedade que sustenta os projetos de dominação e poder dos grandes e pequenos ditadores, públicos e privados.
Quase ninguém percebe que o poder dos seus opressores, reais e imaginários, deriva exatamente da sua total alienação em decidir e agir por sua própria conta e risco. O poder dos “ditadores” surge e se reforça cada vez que uma pessoa, oprimida e molestada, desiste de fazer alguma coisa para se livrar da opressão. Como afirmou Foucault, o poder não se encontra em "grandes esferas" e altos escalões, mas nas práticas e nas relações mais elementares das pessoas seu dia-a-dia.
Quando alguém diz que não tem poder para mudar a própria vida (e/ou a vida da comunidade); quando alguém desiste de realizar as mudanças necessárias no seu estilo de vida; quando alguém se acomoda e cede às táticas de terrorismo e vitimação dos seus opressores, está apenas delegando o seu próprio poder pessoal aos seus algozes, permitindo que eles continuem a exercer suas formas de dominação e opressão.
Assim, paradoxalmente, o que mantém uma pessoa num estado miserável de submissão e impotência é a mesma força que poderia livra-la desse estado de dominação.
O problema é que dá muito trabalho empoderar-se, despertando o poder que existe dentro de cada uma de nós e que hoje, por falta de coragem para agir em nosso próprio benefício, a maioria acaba delegando aos seus ditadores.
Dá muito trabalho fazer esse poder trabalhar ao nosso favor - e não contra nós, como tem sido até agora, no caso da maioria das pessoas. Gera confrontos e desgastes, incômodos e desconfortos que a maioria quer evitar, a fim de não se expor ou se comprometer.
Enfrentar, em vez de se submeter, exige substanciais e profundas mudanças de paradigmas e de perspectivas existenciais, representando um enorme risco à manutenção das "zonas de (des)conforto" em que a maioria se acomoda de maneira (des)confortavelmente passiva e segura, alegando a sua impotência para assumir o comando e o controle da própria vida.
É graças a essa “preguiça para o enfrentamento” que grandes e pequenos ditadores, públicos e privados, continuam a nadar de braçadas na maré da dominação e exploração dos seus cada vez mais numerosos e conformados "súditos".
Um comentário:
FANTÁSTICO TEXTO!!!! VAI PARA MINHA AULA DE PSICOLOGIA!!
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