No tempo da ditadura, eu tinha uma amiga que vivia desconfiando e falando mal das iniciativas da igreja católica, que em tese, na época, era uma das pouquíssimas instituições capazes de peitar os militares no poder. Bom, pelo menos uma ala era, aquela conhecida como progressista e que foi duramente combatida pela própria igreja católica.
- Não acredito no "progressismo" nem no "espírito libertário" de nenhum religioso, dizia minha amiga com menosprezo.
- Mas por que? Eles têm um discurso revolucionário, como qualquer leigo comprometido e engajado com a resistência e a mudança das estruturas.
- Você é que acha! Na "hora da onça beber água", a Santa Sé dá um peido e o clero sai todo de cabeça baixa, contrito e submisso, rezando o terço...
Lembrei-me dessa minha amiga, refletindo hoje sobre o velho, terrível e superarraigado “espírito pequeno-burguês” da classe média brasileira. Em muitos momentos, chega até a ser convincente o discurso progressista desse nosso queridíssimo extrato social, espremido entre a pobreza da periferia e a prosperidade da nobreza que, desde a chegada de Cabral, nunca apeou do poder nesse país.
Mas basta falar que a filha está pretendendo chamar uma amiga para dançar a valsa, com ela, na sua festa de 15 anos, pra todo mundo sair correndo, com a saia na cabeça, atrás de um padre exorcista ou pastor fundamentalista para expulsar essas ideias satânicas e libertinas da cabeça da menina.
Nesse clima de moralismo simplório e vulgar, não há revolução – nem sexual, nem de gênero, nem de coisa nenhuma – que consiga ao menos decolar, quanto mais se sustentar entre nós.
E não se trata de esquerda ou de direita, não! O pensamento pequeno-burguês ataca igualmente todos os estamentos políticos, sociais e culturais da sociedade, não importando a sua matriz ideológica. Afinal, de onde vocês pensam que vem o "patriarcado machista" que infesta o país de cabo a rabo, minando e carcomendo todas as nossas instituições, não importando a sua coloração político-ideológica?
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