Por que tantas pessoas transgêneras continuam a defender suas identidades de gênero a ferro e fogo se são elas exatamente a fonte de todas as suas maiores agruras nesse mundo? Porque são convencidas que, fora do enquadramento e do cumprimento ritualístico dos rótulos de homem ou de mulher, não existe possibilidade de expressão da pessoa humana na sociedade. O que constitui uma grande mentira, senão a maior de todas.
Para existir como pessoas, não temos que defender identidades de gênero que não são mais do que camisas-de-força cuidadosamente programadas para nos manter reféns da sociedade! Ao contrário, se queremos ser a pessoa que a gente é, temos que detoná-las, ou, para ser mais "politicamente correta" (aff...), desconstruir essa dupla maligna de identidades oficiais de gênero, conhecidas como “homem” e “mulher”.
Não faz mais nenhum sentido haver essa divisão das pessoas em duas, e duas únicas, categorias de gênero, assim como o próprio conceito de gênero, tão recente na história da humanidade, já não faz mais nenhum sentido depois que as mulheres ocuparam, com vantagens, postos e funções sociais que até recentemente eram propriedade exclusiva dos homens.
As pessoas devem ter o direito de ser quem elas são, independentemente do órgão genital que trouxerem entre as pernas ao nascer e que determina, de maneira drástica e radical, o seu enquadramento na categoria social de homem ou de mulher. Anatomia tem que deixar de ser destino.
Entretanto, as pessoas se apegam às suas identidades de gênero como se fossem as próprias joias da coroa, exigindo coisas como respeito não pelo que elas são como pessoas humanas, mas pelo rótulo identitário que carregam ou que aspiram loucamente carregar.
O que eu afirmo sempre é que, para ser mulher, não é necessário ter nascido fêmea ou ter sido classificada como mulher ao nascer. “Ser mulher” não é uma inexorável categoria biológica, cujo acesso está restrito unicamente a quem nasceu com uma vagina. “Ser mulher” é uma categoria sociológica, não biológica. Sua natureza é política e cultural, não genética.
Qualquer pessoa pode ser mulher ou homem, independentemente do seu sexo genital: só depende da sua auto-identificação com um desses personagens criados e mantidos pela sociedade através dos scripts culturais da feminilidade e da masculinidade.
Eu custei muito a entender isso; na verdade, passei a maior parte da minha vida sem entender isso. Eu também acreditava que ser homem e ser mulher eram inexoráveis determinismos da natureza, fruto da própria “vontade do criador” (aff...). Essa é a ladainha que nos é enfiada goela abaixo desde antes do nosso nascimento quando, ainda no útero da mãe, em função exclusivamente do órgão genital que aparece na tela do ultrassom, a família já nos prepara para representar o enredo da masculinidade ou da feminilidade.
Algumas pessoas, que hoje são chamadas de “transgêneras”, simplesmente não conseguem ou se recusam terminantemente em representar os papeis de homem ou de mulher com que foram brindados ao nascer, drasticamente incluídos na “certidão de nascimento”.
Por causa disso, essas pessoas são consideradas doentes e delinquentes, ou seja, “desajustadas” de uma “ordem natural” que, de natural, não tem absolutamente nada. Uma ordem absolutamente artificial, que se apropria descaradamente das características genitais dos indivíduos para arbitrariamente enquadrá-los em duas categorias sociopolítico-culturais que simulam ter sido criadas pela própria natureza. Uma falácia intolerável que, no entanto, por milênios, tem persistido como verdade absoluta, absolutamente inquestionável.
Pessoas transgêneras não são doentes nem delinquentes. Se “transgridem” a ordem existente é porque essa ordem já nasceu completamente “furada” excluindo, na origem, qualquer pessoa que não se renda a ela de cabeça baixa, sem nenhum questionamento, conflito ou confronto.
Defender “identidades” é defender essa ordem. A única maneira de detoná-la, como eu já disse anteriormente, é detonar com as identidades que a compõem. Homem e mulher são invenções, enredos que as pessoas podem viver livremente sem estarem drasticamente subordinadas a uma ordem categoricamente cruel e violentamente hostil aos rebeldes e infratores.
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