Era uma tortura para o pau ser torto daquele jeito. Todo mundo olhava e comentava sua tortura. De gente torta, todo mundo quer distância, sobretudo gente que se julga direita. Por isso o pau vivia acuado, complexado e envergonhado de ser tão torto como era no meio de gente que se gabava de ser direita.
O pau tentava de tudo para esconder ou ao menos disfarçar o seu tortume, mas sempre havia alguém que só de bater o olho já sacava sua tortura. E mandava ver aquelas perguntas sacanas e imbecis do tipo “você já nasceu torto assim?”, “porque você é torto?” e “já pensou em fazer tratamento para se desentortar?”.
Um dia, o pau criou coragem e decidiu se submeter à cirurgia de desentortamento. Poderia, enfim, livrar-se da sua tortura, ficando direito como todos os outros paus.
O problema é que a cirurgia era muito cara e o pau não tinha dinheiro nem pra viver torto, quanto mais para se desentortar! Mas havia a fila do SUS. Seria pelo menos dez anos de espera, mas valeria a pena, pelo simples motivo de não se sentir mais torto, de poder ser direito como todo mundo.
Pacientemente, o pau esperou uma década para fazer a cirurgia que ia livrá-lo, não só da sua tortura, mas principalmente da tortura de ser torto.
O pau não podia caber em si quando olhou para o espelho e viu que estava direito, que não era mais torto. “Tortura, nunca mais!” Pensou, triunfantemente.
Mas foi só encontrar com a primeira pessoa que o reconheceu depois da cirurgia de endireitamento, para ouvir a frase que jamais deixou de ouvir pelo resto da sua vida:
- Nossa! Nem parece que você nasceu torto!
Moral da história:
Não adianta endireitar, pois o povo, em vez de reconhecer que o pau ficou direito, faz questão de lembrar a tortura do pau. Para sempre. O que não passa de uma nova forma de tortura, quem sabe até pior do que a tortura anterior.
Assim, em vez de lutar desesperadamente para endireitar o pau, vale mais a pena a gente questionar por que as pessoas não podem ser tortas, por que têm que ser exclusivamente direitas e quem nasce torto tem que se endireitar. Porque, confirmando o ditado, pau que nasce torto, morre torto. A tortura continua, mesmo que a pessoa se endireitar.
Um comentário:
Você é demais Letícia!
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