"Nunca desista dos seus sonhos; com trabalho e perseverança você chega lá"

"Nunca desista dos seus sonhos; com trabalho e perseverança você chega lá". Embora esse mito pareça saído diretamente dos mais melosos e fantasiosos contos de fadas, ele foi consolidado na própria Declaração de Independência Americana, a partir da doutrina Quaker de “predestinação pela fé” - só entra no céu quem for bem sucedido na terra – que, requentada e tropicalizada, serviu de base para a chamada teologia da prosperidade, difundida por seitas cristãs neopentecostais no Brasil.

Embora combalido e esvaziado pela dura realidade do mundo contemporâneo, o “sonho americano” ainda é um dos principais pilares do chamado "American Way of Life", e certamente contribuiu enormemente para a desastrosa eleição de Donald Trump, disposto a resgatar o direito de todo mundo ser rico, famoso e poderoso por lá.

No campo da realização profissional, o mito do “não desista dos seus sonhos” expressa a crença, mentirosa, de que, se a pessoa sonhar alto e trabalhar duro, acabará triunfando, como nos grandes sucessos de Hollywood. A organização políticossocial, a ética dos negócios e os fundamentos da economia parecem nada importar. O que conta é a vitória pessoal e, para isso, a pessoa deve agir por ela mesma, no mais perfeito individualismo selvagem, cagando e andando para os problemas da sociedade como um todo.

Há algumas ideias malignas implícitas ao "nunca desista dos seus sonhos;com trabalho e perseverança você chega lá". A primeira e a mais óbvia de todas é que, se a pessoa "não chegou lá" é porque não trabalhou direito ou não perseverou o suficiente, o que é obviamente uma deslavada mentira. Alguém pode trabalhar feito um boi de arado, sem desistir nunca, e ainda assim acabar bem longe do "lá" que sonhou chegar, muitas vezes endividado e ainda malfalado por comentários como "não teve cabeça" ou "foi botar o chapéu onde a mão não alcança".

Outra ideia implícita é quanto à natureza dos "sonhos sonhados". Nem todo sonho individual é bom e desejável do ponto de vista coletivo. Mas não há nenhuma censura quanto ao que pode e deve ser sonhado. Não se ensina ninguém a pensar se seu sonho é um sonho digno e desejável, do ponto de vista de toda a coletividade, ou é só uma forma de ganhar dinheiro e obter sucesso e poder, independentemente das suas consequências sociais e políticas?É óbvio que não pode dar em boa coisa um sistema onde o bem e a realização individual é posto à frente e acima do bem e da realização coletiva.

Mas a pior ideia de todas é que trabalho e perseverança são capazes de levar uma pessoa a realizar seus sonhos. Pelo que sei, tirando a meia dúzia de sortudos "heróis do ano" que "venceram na vida", a esmagadora maioria continua na merda, mesmo trabalhando e perseverando em doses cavalares. Sem contar ter que aturar aquela "bem sucedida" parcela que realiza seus sonhos mais escrachados não à custa de trabalho e perseverança, mas à custa de “sair da ética”, através de sujeiras e corrupção escancarada, como fazem os nossos políticos e empresários exemplares.