terça-feira, 5 de março de 2019

Desejo, gozo e frustração

Hyeronimus Bosch, detalhe de O Jardim das Delícias Terrenas,
circa 1494-1516, Museu do Prado - Madrid.
Apesar das duras e inexoráveis imposições da nossa “realidade real”, viver implica em termos que continuar acreditando e agindo para alcançar alguma coisa ao menos parecida com a nossa "realidade idealizada", ou seja, com o nosso desejo.

A triste verdade é que a nossa realidade idealizada estará sempre em confronto direto com a nossa realidade “real”. Por mais que sejamos simples e humildes no nosso desejo, nosso mundo sonhado será sempre muito distante e muito mais gostoso e colorido do que o mundo em preto & branco onde somos obrigados a passar nossas vidas.

Mas limitar o nosso desejo é uma tarefa inglória, totalmente impossível e inviável de acontecer, tendo em vista a nossa própria natureza humana que é desejar sempre o que não temos, o que nos falta, e a falta, como a maioria de nós já descobriu, é sempre ilimitada, infinita, impreenchível, literalmente um saco sem fundos.

Esse é o conflito básico da pessoa humana: querer sempre o que não tem, jamais se satisfazendo com o que tem. Satisfazer-se com o que temos é a mesma coisa que interromper o nosso crescimento, como indivíduo e como coletividade. Não é possível colocar um freio no desejo humano, a menos que se queira estagnar por completo o ritmo natural da civilização, que é de querer o que não tem.

Diante da impossibilidade total de abrir mão do desejo (e o que é “morrer” senão silenciar o desejo para sempre?), o nosso “equilíbrio psíquico” estará sempre no sucesso ou no fracasso em administrar as inevitáveis e enormes tensões entre o mundo que idealizamos e o mundo que existe.

É do manejo – saudável e proveitoso – entre o desejo e a sua possibilidade de realização que surge o gozo, essa sensação oceânica - e sempre transitória - de felicidade.

É também do manejo – neurótico e depressivo – desse mesmo desejo, frente a uma realidade que lhe será sempre basicamente hostil – que resultam as grandes frustrações que nutrem os dramas psíquicos da maior parte da humanidade.

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