Dentro da população cisgênera, as pessoas fundamentalistas de gênero ficam chocadas quando veem alguém transicionar de uma categoria oficial de gênero para outra, isto é, do masculino para o feminino ou do feminino para o masculino. Essas mesmas pessoas se sentem aliviadas (e de alguma forma vingadas) ao saberem que alguém destransicionou, isto é, voltou a viver com a mesma identidade de gênero que a sociedade lhe conferiu ao nascer, em função do seu órgão genital. Dentro do gueto transgênero, a coisa funciona exatamente ao contrário, ou seja, transfundamentalistas de gênero ficam faceiras e lisonjeadas ao verem alguém transicionar, como ficam completamente transtornadas ao verem alguém destransicionar o que, na opinião delas, representa a quintessência da “irresponsabilidade existencial”.
Tendo sido o gênero totalmente naturalizado ao longo do processo civilizatório, adquirindo o status de inexorável disposição da natureza com o qual disfarça sua condição de dispositivo de controle artificial e arbitrariamente criado pela sociedade, não é de se estranhar que tantas pessoas, cis ou trans, o reconheçam e legitimem como atributo fixo na vida das pessoas
O que tanto as pessoas cisfundamentalistas quanto as transfundamentalistas de gênero não compreendem, não percebem ou simplesmente não querem aceitar é que gênero não é um atributo fixo e imutável em cada pessoa. Pelo contrário, gênero é um atributo altamente fluído e flexível que pode mudar imensamente ao longo da vida de uma pessoa. Basta que a pessoa recuse ser vítima ou, no melhor dos mundos, que não mais se exerça sobre ela nenhum tipo de vigilância e de terrorismo de gênero, mecanismos graças aos quais as pessoas vão permanecendo indefinidamente fieis aos “discursos generificadores” da sociedade.
O que está ficando cada vez mais evidente, tanto com o aumento do número de transições quanto com o aumento do número de destransições, é que transicionar e destransicionar, longe de serem epifanias ou cataclismos na vida das pessoas, como querem cis e trans fundamentalistas de gênero, são fenômenos absolutamente comuns e “normais” na espécie humana, que só não se manifestavam com maior frequência devido ao exagerado controle social sobre a manutenção da identidade de gênero recebida ao nascer. Controle esse que, felizmente, de um jeito ou de outro, está enfraquecendo e se tornando cada vez menos rígido na sociedade contemporânea.
(Letícia Lanz)
(Letícia Lanz)
4 comentários:
Concordo Letícia Lanz. Acho super natural tanto a transição quanto a destransição.
Texto interessante, Letícia! Reflexão...
Muito bom. Eu estou transicionando depois dos 40 e tô esperando chumbo grosso sobre mim. Mas tudo bem, a vida é feita de batalhas...
Transição não é pra quem acha que quer,é pra quem tem certeza.É um caminho sem volta.principalmente se a cirurgia genital ja foi realizada.
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