No som do carro ao lado, uma dupla sertaneja esgoela à toda o último sucesso emplacado a fórceps. Fecho o vidro, tentando não ouvir, mas ouço assim mesmo. O dono do carro acha que seus autofalantes têm que ficar sempre na altura máxima, para inundar a cidade com o seu deplorável (des)gosto musical.
O Brasil, onde o povo em geral e os condutores de veículos em particular nunca souberam conviver entre si de maneira cidadã, desaprendeu como é que se faz música. Os ouvidos do povo se contentam com qualquer sequência de acordes de primeira, segunda e terceira do tom, assim como todo mundo se contenta com uma política podre e governantes ladrões. Nada de variantes tonais. Pobreza na melodia, pobreza na letra, pobreza maior ainda na coisa pública. Como é que um país que pariu o maior gênio musical do século XX, o maestro Antonio Carlos Jobim, pôde acabar nessa indigência musical? Por certo é mais um dos monstros paridos pela alienação política.
Povo pobre, burro, desunido, desinformado, despolitizado e egoísta que só. Antigamente se dizia que mineiro só era solidário no câncer. Hoje em dia pode-se afirmar, sem erro nenhum, que brasileiro não é mais solidário nem no câncer. O país virou um festival de salve-se quem puder, cuja trilha sonora é uma xanguana sertaneja ou, pior anda, um gospel de lo-u-vor (aff!).
O Estado, laico, celebra cultos no parlamento em lo-u-vor à invasão da calhordice bíblica na vida pública. E os pastores-deputados que bradam palavras de ordem em defesa da fa-mí-li-a (valha-me meu são sebastião!) não passam de estupradores e pedófilos disfarçados de cristãos fundamentalistas.
Tudo passado no século XXI, tudo online, transmitido por smartphone e “uatizap”. Tudo pós-moderno de tão velho, de tão besta, de tão babaca, de tão superado.
O semáforo abre mas a fila não anda. O Brasil virou um grande e interminável congestionamento onde a gente é obrigada a pagar impostos caríssimos para ouvir a música breganeja do carro ao lado.
Todos os carros estão parados como eu. Todos devem estar ouvindo essa desgraça em forma de música. Todos devem estar de sacos e ovários cheios dessa josta.
Mas ninguém fala nada. Todo mundo tem medo de levar um tiro no meio da cara se botar a cara pra fora pra reclamar da política, dos pastores, das igrejas, dos políticos ou apenas do dono do carro ao lado que insiste em por na maior altura esse som de um Brasil degradado e infeliz.
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