Gênero é uma construção social e não um atributo biológico: um estatuto social (papéis e regras de conduta) baseado no sexo, condição biofisiológica presente nos indivíduos e que diferencia anatomicamente o macho da fêmea.
Sexo é um atributo biológico que historicamente tem sido usado como motivo e fundamento do dispositivo binário de gênero, com o qual, na prática, acaba se confundindo como se fossem uma única entidade.
Por trás das diferenças óbvias de sexo, existentes entre machos e fêmeas, reside uma pesada carga de diferenças sociais denominada gênero. Enquanto sexo se refere às diferenças biológicas (genéticas, anatômicas, fisiológicas, etc.) existentes entre machos e fêmeas da nossa espécie, gênero diz respeito às diferenças sociais entre homens e mulheres, artificialmente criadas, mutáveis no tempo e no espaço, com largas variações dentro da mesma cultura e entre culturas, e que são aprendidas, em vez de geneticamente herdadas.
O conceito de gênero diz respeito ao conjunto das atividades, comportamentos e atitudes que uma dada sociedade, numa determinada época da sua história, e baseada nas suas necessidades econômicas e condições estruturais específicas, estabelece, normatiza, sanciona e atribui para cada um dos sexos - macho e fêmea - transformando-os respectivamente em homem e mulher, exigindo o seu estrito cumprimento.
Qualquer desvio das normas de conduta de gênero, assim como qualquer tentativa de originalidade ou inovação no seu cumprimento, é tido como perigosa ameaça ao funcionamento harmonioso e saudável da sociedade, devendo, portanto, ser prontamente repelido e desestimulado através de um vasto e complexo mecanismo de dissuasão, interdição e punição, que vai da criação e perpetuação de um onipresente sentimento de culpa às formas mais violentas de discriminação e exclusão da estrutura de funcionamento social. Apoiada no conceito de dispositivo proposto por Foucault, chamo esse mecanismo de "dispositivo binário de gênero".
Tratando-se da divisão das pessoas em duas categorias opostas, com base exclusivamente no órgão genital que elas apresentam ao nascer, o dispositivo binário de gênero se baseia numa recriação sociopolítica-cultural dos sexos, com vistas à normatização e controle de uma gama imensa de papéis, comportamentos e práticas. O gênero é, assim, uma estereotipagem dos sexos biológicos: uma visão preconceituosa (no sentido de preconcebida), radical e absolutamente conservadora do que é ser e agir como homem e do que é ser e agir como mulher, numa dada sociedade e numa determinada época.
Embora não exista nada mais castrador das possibilidades de realização do ser humano, o gênero é visto e tratado como uma simples e inexorável contingência do sexo genital. Ou seja, um homem é homem porque nasceu com um pênis, assim como uma mulher é mulher porque nasceu com uma vagina.
Em nenhum momento a sociedade nos faculta exercer o direito de escolher a que categoria de gênero gostaríamos de pertencer. Ao nascer, e tão somente em função do equipamento que trazemos entre as pernas, somos automaticamente classificados em uma das duas categorias oficiais de gênero, nela devendo permanecer por toda a vida, sem ao menos ter o direito de entrar com pedido de revisão de enquadramento, caso a gente não se ajuste à categoria em que fomos classificadas.
Esse é o primeiro atentado que a sociedade comete contra o exercício da liberdade individual, o mais claro confisco do direito da gente ser quem a gente é. Se uma pessoa pode mudar até de mesmo de nacionalidade, religião, estado civil, filiação política, profissão, etc., etc., porque não lhe é facultado MUDAR DE GÊNERO? Porque a pessoa não pode igualmente dispor do seu livre-arbítrio no momento de escolher em que categoria de gênero prefere ser enquadrada? Tudo é permitido, menos a liberdade de escolher viver os papéis sociais que mais se adequam ao perfil do indivíduo. A sociedade se reserva o direito de fazer isso por nós, dando por líquido e certo que todas as pessoas são, naturalmente, cisgêneras, isto é, que todo mundo vai se adequar naturalmente às normas de conduta de gênero em razão do seu sexo biológico.
Parece bastante óbvio que essa interdição da escolha individual da própria identidade de gênero está ligada à manutenção e ao controle de todo o vasto e pesado arcabouço institucional da sociedade, construído e mantido a partir da divisão binária do gênero.
Em nenhum momento a sociedade nos faculta exercer o direito de escolher a que categoria de gênero gostaríamos de pertencer. Ao nascer, e tão somente em função do equipamento que trazemos entre as pernas, somos automaticamente classificados em uma das duas categorias oficiais de gênero, nela devendo permanecer por toda a vida, sem ao menos ter o direito de entrar com pedido de revisão de enquadramento, caso a gente não se ajuste à categoria em que fomos classificadas.
Esse é o primeiro atentado que a sociedade comete contra o exercício da liberdade individual, o mais claro confisco do direito da gente ser quem a gente é. Se uma pessoa pode mudar até de mesmo de nacionalidade, religião, estado civil, filiação política, profissão, etc., etc., porque não lhe é facultado MUDAR DE GÊNERO? Porque a pessoa não pode igualmente dispor do seu livre-arbítrio no momento de escolher em que categoria de gênero prefere ser enquadrada? Tudo é permitido, menos a liberdade de escolher viver os papéis sociais que mais se adequam ao perfil do indivíduo. A sociedade se reserva o direito de fazer isso por nós, dando por líquido e certo que todas as pessoas são, naturalmente, cisgêneras, isto é, que todo mundo vai se adequar naturalmente às normas de conduta de gênero em razão do seu sexo biológico.
Parece bastante óbvio que essa interdição da escolha individual da própria identidade de gênero está ligada à manutenção e ao controle de todo o vasto e pesado arcabouço institucional da sociedade, construído e mantido a partir da divisão binária do gênero.
Permitir que as pessoas façam as suas próprias escolhas de gênero constitui perigosa ameaça à estabilidade do sistema econômico, político e social em que vivemos. Permitir que as pessoas migrem livremente para a categoria de gênero que mais lhes convém é o mesmo que permitir que toda a estrutura social, de cima abaixo, seja permanentemente checada e passada em revista a fim de readequar-se à vontade soberana das pessoas.
O dispositivo binário de gênero impede que a pessoa assuma e expresse, livre e publicamente, a categoria de gênero com a qual se identifica, que lhe parece mais atraente, mais prazerosa e mais adequada às suas características e pendores naturais.
Gênero não comporta escolha: como observou Freud, anatomia é destino. Quem, em sã consciência, fora as loucas, doentes, delinquentes, desvairadas e socialmente excluídas pessoas transgêneras, contestaria a correção do médico e do escrivão que declararam o sexo - e automaticamente o gênero - que uma pessoa deveria carregar por toda vida, sem direito a qualquer tipo de revisão ou mudança?
Se você nasce com um pênis é automaticamente classificado como homem. E apesar da descarada artificialidade desse processo, para todos os efeitos gênero fica sendo tão natural quanto o sexo, que por sua vez não é natural coisa nenhuma.
Mas, apesar de falso e arbitrário, todo mundo se deixa manipular cegamente pelo "conto do gênero". O condicionamento é intenso, permanente e contínuo, do momento da concepção à morte. De tal forma que praticamente ninguém questiona, ainda que ocasionalmente, sobre o que é, na realidade, ser um homem ou ser uma mulher e para que realmente serve essa divisão binária do gênero na sociedade. A maioria assume, pacificamente, a crença simplista, grotesca e estapafúrdia de que o órgão entre as pernas define o corpo e o destino de cada pessoa nesse mundo.
Desde quando uma parte pode definir e condicionar o todo? Desde quando ter uma genitália - socialmente rotulada de masculina ou feminina - pode definir e sustentar o comportamento dito masculino ou feminino. Desde quando é necessário ter um corpo natural, para se ter um comportamento, arbitrário, socialmente estabelecido ?
Ora, sabemos que o comportamento humano não é herdado biologicamente, mas aprendido, através de um treinamento extenso, longo, profundo e totalmente compulsório. Simone de Beauvoir, revista e ampliada: ninguém nasce mulher nem homem: aprende a ser.
Até quando viveremos dominados por essa farsa do gênero?
Ora, sabemos que o comportamento humano não é herdado biologicamente, mas aprendido, através de um treinamento extenso, longo, profundo e totalmente compulsório. Simone de Beauvoir, revista e ampliada: ninguém nasce mulher nem homem: aprende a ser.
Até quando viveremos dominados por essa farsa do gênero?
2 comentários:
Adorei o revisão de enquadramento, bjs
Sensacional! Muito bem escrito e definido, realmente o livre arbítrio não é respeitado, o corpo é meu, a vida é minha, porque o sexo também não é?
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