sábado, 22 de outubro de 2016

Não li e não gostei

A expressão "não li e não gostei" tornou-se um conhecido bordão atribuído ao historiador e crítico José Ramos Tinhorão, hoje com 88 anos e ainda em atividade. Mas apesar de ele ser considerado um crítico musical ferino, muitas vezes injusto e até indigesto (criticou, sem clemência, movimentos como a bossa nova e o tropicalismo) ele sempre foi respeitado, por se tratar de um pesquisador meticuloso, dono de uma cultura invejável. De modo que, apesar de não ter lido determinada obra, invariavelmente tinha conhecimento profundo dos assuntos nela tratados, o que lhe fazia se sentir no arrogante direito de criticar a obra, sem ao menos tê-la lido, como reza o folclore em torno dele.

"Não li e não gostei" é também um bordão extremamente comum dentro do gueto transgênero onde, sem mais nem menos, algumas pessoas trans resolvem “invocar” com determinada terminologia ou criticar ferozmente uma teoria existente. Só que a enorme diferença entre essas pessoas e o crítico Tinhorão é que elas não sabem bulhufas dos assuntos que resolvem criticar, sem nenhuma base, ou melhor, fundadas em puro "achismo" individual.

Assim é que temas como os Estudos Transgêneros, o Feminismo a Teoria Queer, áreas acadêmicas de importância radical no mundo contemporâneo civilizado, acabaram se tornando saco-de-pancadas da ojeriza gratuita de meia-dúzia de lideranças e pessoas formadoras de opinião, absolutamente despreparadas e chinfrins, em atividade dentro do gueto trans.

Volta e meia esse povo resolve exibir a sua ignorância nesses assuntos como se fossem especialistas de peso em questões relacionadas a gênero e sexualidade humana. O resultado é uma vergonhosa demonstração do seu total desconhecimento do assunto e da contundente falta de argumentos que demonstram ter, não só nas matérias que resolvem expor ou criticar, mas na sua própria cultura geral e informações básicas a respeito do nosso tempo.

O pior é que é muito comum esses indivíduos acabarem contando com o apoio luxuoso da mídia nacional onde, como sabemos, é também quase nulo o hábito de leitura e pesquisa. De tal forma de simples opiniões, sem nenhum fundamento, construídas na base do puro e simples “achismo” pessoal, acabam sendo veiculadas como verdades absolutas para grandes segmentos da sociedade.

A consequência imediata da desonestidade intelectual desses expositores e críticos de meia-tigela é o grau absurdo de desinformação e mixórdia conceitual da população brasileira como um todo, incluindo a própria mídia, quando se trata de questões relacionadas às identidades transgêneras.

É no mínimo safadeza e má-fé querer expor um assunto ou critica-lo sem ter lido ou ter discutido nada realmente sério e bem fundamentado a respeito. E se a pessoa já dispõe de um séquito de seguidores nas redes sociais ou no youtube, aumenta ainda mais o tamanho do desserviço prestado à causa dos direitos civis da população transgênera, por abordar ou criticar assuntos sem nenhum conhecimento formal, baseado em simples “feeling” e “achismo” pessoal.

Um comentário:

Patrícia disse...

Sempre que desejo criticar algo leio tudo sobre o assunto.As vezes leio tanto que passo a ver de outro modo, o que faz com que a ideia inicial do texto se transforme...É o que me motiva a escrever: as várias nuanças,a dúvida. Deus me livre das certezas! Bjo Leti.
http://patriciaubert.blogspot.com