Você acha que eu vou dar papo pra profissional de saúde que me trata como “aberração” em suas pau-lestras? Vou mais é chutar o pau dessa barraca médica pernóstica e hostil, que há mais de um século não passa por uma revisão - o termo correto seria "faxina".
Você acha que eu vou dar trela pra profissional de saúde que insiste em dizer que eu sou viado, baseado na crença do final do século XIX de que toda pessoa trans é intrinsecamente homossexual? Quem sabe de mim sou eu e, por sinal, com autoridade de causa para falar ao meu respeito: não ando por aí nem falando sobre os outros, nem cagando regra pros outros seguirem.
Você acha que eu vou abrir mão de ser a pessoa que eu sou para ser um rótulo vulgar de homem ou de mulher (ou de outra coisa qualquer)? Depois de meio século pelejando para sair da gaiola do gênero, eu não entro mais nela, não, nem fodendo! E ainda ajudo a escapar dela todo mundo que quiser a minha ajuda! Que as pessoas engaioladas desfrutem do seu engaiolamento...
Você acha que eu vou abrir mão de ser o marido – e não a “marida” – da minha mulher; o pai – e não a “mãe” ou, pior, a “pãe” – dos meus filhos; o avô – e não a avó – dos meus netos? Mas nem sob tortura em pau-de-arara! O que eu sou não interfere e nem pode interferir nos papeis sociais que eu sempre desempenhei magnificamente bem, ao contrário de muito machochô e crentino moralista, que não deu conta de segurar a barra de manter uma família.
Você acha que eu vou dar confiança a esse bando de pessoas boçais que ocupam o tempinho chinfrin delas metendo (aff!) a língua em mim? Será que elas acham mesmo que eu vou mudar alguma coisa no meu modo de ser em função das suas falas idiotas e críticas nonsense? Só pra elas não ficarem muito tristinhas com o insucesso do seu veneno vagabundo, quem sabe, talvez, numa próxima “encadernação”, né?
Você acha que eu vou ficar por aí, lamentando a condição existencial que a vida me deu, de pessoa transgênera, e que é simplesmente um luxo, dando munição para a corja igrejeira vomitar asneiras ao meu respeito? Tudo que eu passei - e passo - na vida é justificado e foi regiamente recompensado pela conquista desse direito, único, de poder ser eu mesma.
Está quadrada e redondamente enganada quem acha que eu vou parar de lutar, de escrever, de falar, de criticar, de denunciar, só porque continuo cada vez mais invisibilizada, sem margem de manobra para fazer nada, dentro ou fora do gueto. Meu compromisso é com a verdade, não com a visibilidade. Escuta ou lê quem quiser.
Enquanto eu der conta de botar um oxigeniozinho pra dentro, eu vou importunar as estruturas caducas do meu tempo. E quando chegar a hora, abro a porta da eternidade, a mesma por onde entrei há 65 anos, e vou tranquilamente operar “em outros planos”.
Mas cuidado, principalmente quem adora puxar a minha cadeira antes que eu me assente: “do lado de lá” eu posso ser ainda mais implacável com vocês. Me aguardem!
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