Desde criança somos condicionados a acreditar, sem nenhum questionamento, que as características e comportamentos de um homem e de uma mulher são irremediavelmente distintas e até mesmo incompatíveis na maioria dos seus aspectos. E mais: que essas características são "herdadas" biologicamente sendo, portanto, atributos naturais que não podem ser modificados.
A despeito dessa crença cultural arraigada, as pesquisas têm indicado exatamente o contrário, ao concluirem que são mínimas as diferenças entre as características e comportamentos do homem e as características e comportamentos da mulher. Além disso, as poucas diferenças que poderiam ser consideradas "naturais" entre machos e fêmeas estariam praticamente restritas ao campo anatômico e fisiológico.
O
que acontece, na prática, é que cada pessoa é estimulada desde o seu
nascimento a desenvolver certas características e atributos em função da
categoria de gênero – homem ou mulher – a que está adscrita, em função
do seu sexo biológico de macho ou fêmea.
Dessa
forma, o homem é tanto estimulado a se desenvolver fisicamente quanto a
ter iniciativa, liderança, capacidade empreendedora e agressividade
devendo, ao contrário, reprimir manifestações de delicadeza, ternura e
sensibilidade. Já a mulher é estimulada a ser dócil, cooperativa,
carinhosa, gentil e cuidadora, devendo reprimir manifestações de força,
audácia e arrojo empresarial.
Fica óbvio, então, que a esmagadora maioria das supostas "diferenças radicais" entre homens e mulheres não são resultado de nenhum determinismo da natureza, mas de intensos e contínuos processos de aprendizagem social.
Daí a pergunta é a seguinte: - se características e comportamentos considerados essencialmente "masculinos" podem ser encontradas nas mulheres e características e comportamentos considerados essencialmente "femininos" podem ser encontradas nos homens, por que, então, continuar a defini-las como sendo exclusivamente de homens ou de mulheres? Resposta: para a manutenção e continuidade do dispositivo binário de gênero, que divide os seres humanos em homens e mulheres, dando-lhes uma série de atributos, prerrogativas e papéis sociais em função da sua genitália aparente.
Embora
muita gente insista em continuar acreditando e agindo como se homens e
mulheres fossem duas entidades absolutamente distintas, não foram
identificadas quaisquer diferenças realmente essenciais no comportamento
sócio-emocional dos dois sexos. Homens e mulheres compartilham da maior
parte dos atributos e características comportamentais pesquisadas.
Na realidade, as características individuais, rotuladas pela sociedade como "masculinas" ou "femininas", estão distribuídas indistintamente entre todos os seres humanos, independentemente de terem nascido “machos” ou “fêmeas”.
Mulheres podem ser fortes e determinadas, assim como os homens podem ser sensíveis e amorosos. Força e determinação não são atributos exclusivos do homem, como sensibilidade, afetividade e cuidado do outro tampouco podem ser considerados atributos exclusivos da mulher. Em síntese, seria muito mais apropriado chamar todos esses atributos, hoje divididos entre “masculinos” e “femininos, de atributos da espécie humana.
Não é, portanto, o código genético, de natureza biológica, mas o código de gênero, de natureza sóciopolítica e cultural, que determina o que cada pessoa é, pode e deve ou não fazer ao longo da sua vida, tendo em vista o órgão genital que traz entre as pernas ao nascer.
Quando muito, "masculino" e "feminino" poderiam ser categorias para descrever atributos fisiológicos e anatômicos relacionados ao sexo genital, onde as diferenças entre machos e fêmeas são bastante perceptíveis. Ainda assim, mesmo no terreno biológico, as variações existentes dentro de um mesmo sexo são muito maiores do que as variações entre pessoas de sexos distintos.
Os rótulos “masculino” e “feminino” limitam tremendamente as possibilidades de expressão, criatividade e progresso emocional e intelectual da espécie humana como um todo, já que a ampla e generalizada “caracterização social” dos dois sexos (macho e fêmea), resultando em atributos e comportamentos exclusivos “de homem” e exclusivos “de mulher”, desencoraja as pessoas de viverem e desenvolverem o potencial natural de cada uma.
É muito difícil o convívio social e a “ocupação” de um lugar na sociedade para mulheres que expressam características consideradas "masculinas" e para homens que expressam características consideradas "femininas". Assim, em vez de expressarem livremente suas características e atributos naturais, a maioria das pessoas passa a vida inteira lutando desesperadamente para desenvolver características que não possuem, com as quais pouco ou nada se identificam e que dificilmente virão a ter de maneira autêntica, digna e confortável.
Uma vez que nos dias de hoje a repressão ao macho é muito mais sufocante e dolorosa do que a repressão exercida até recentemente sobre a fêmea, os homens estão tendo fazer um esforço redobrado para reprimir, de um lado, características pessoais que podem ser consideradas como “femininas” e, de outro, para reforçar características necessárias para ser reconhecidos como “homens machos”. Esse drama é ainda maior e mais grave na medida em que a mulher de hoje ocupa praticamente todos os espaços e exerce praticamente todos os papéis sociais disponíveis, deixando dúvidas imensas sobre o que seriam “características e papéis masculinos” no mundo contemporâneo.
Enquanto a sociedade (isto é, todos nós) insistir em dividir os atributos e comportamentos humanos entre "masculinos" e "femininos", nossas mentes continuarão sendo treinadas para reconhecer determinados comportamentos e práticas como sendo pertinentes apenas a um dado gênero/sexo específico.
Continuaremos acreditando que os machos/homens devam expor apenas características culturalmente classificadas como "masculinas", assim como as fêmeas/mulheres devam expor somente características classificadas como "femininas".
As grandes estruturas e instituições sociais (família, escola, trabalho, matrimônio, religião, etc.) continuarão pressionando, consciente e inconscientemente, direta e indiretamente, para que fêmeas e machos atuem segundo padrões de comportamento que nada têm de genético, embora sejam amplamente “vendidos” como se fossem “determinismos da natureza”.
Ou seja, as pessoas continuarão a ter suas mentes embotadas e condicionadas a seguir determinados padrões de conduta considerados masculinos ou femininos, e a desprezar, suprimir e recalcar todo o imenso repertório de variações que poderiam apresentar em seu desempenho individual se fossem simplesmente reconhecidas e respeitadas como PESSOAS HUMANAS, sem nenhuma divisão ou categorização de gênero.
Quando a sociedade reconhecer coragem, iniciativa e liderança como atributos humanos, em vez de considera-los “traços característicos do homem”, muito mais mulheres vão se sentir à vontade para manifestar essas características no seu dia-a-dia. Da mesma forma, os homens não se envergonharão mais (nem ficarão furiosos...) se alguém lhes disser como estão sendo bondosos, compreensivos, receptivos, calorosos, amáveis, gentis, sonhadores, românticos, emotivos, amorosos e humanos!
Pela abolição de todas as formas de preconceito e intolerâncias às diferenças individuais, artificialmente criadas e mantidas entre os seres humanos.
Pelo fim do binômio oficial de gênero masculino/feminino ou homem/mulher.
Pelo fim da discriminação das pessoas em função de rótulos sociais de gênero.
Pelo fim de todos os rótulos, sejam eles quais forem.
Pelo respeito à diversidade do ser humano.
Pela descriminalização e despatologização de SER GENTE.
Pelo direito de toda pessoa ser quem ela é, independentemente do que ela seja.
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