Tive que ir ao correio buscar um livro que retornou porque o destinatário não foi encontrado.
Desde a última vez que isso aconteceu, e que essa ultrasupermaisdoque “burrocratizada” instituição do século XV (antes de Cristo...) exigiu uma cópia xerox autenticada do contrato social da editora para a devolução de um simples exemplar do livro, cujo destinatário, procurado três vezes (segundo a notável empresa), não se encontrava em nenhuma delas (vá saber), passei a colocar o meu nome – o civil – no remetente, uma vez que, como todo mundo sabe, nome social só serve pra tricotar casamigas no feicibuque e no uotizápi. E olhe que até o feicibuque num ta querendo aceitar mais...
Pois bem, "dirigi-se-me" à Agência Central da referida instituição correiática devidamente munida com meu RG, CPF, comprovante de residência e atestado de vacina contra febre amarela, tifo e disenteria, certa de que seria atendida imediatamente, uma vez que peguei a senha para a fila de idosos.
Nem precisa dizer que fila de idosos num lugar assim é lenda, né? O lúgubre e grosseiro atendente atendeu todo mundo de acordo com a ordem de chegada, sem ligar a mínima para a Lei do Idoso. E eu é que não era louca de reclamar do descumprimento de uma lei "boba" feito essa, justamente dentro de uma instituição federal onde eu poderia ser acusada (a"cusada" é ótimo, né?) de “desacato à autoridade”.
Quando chegou a minha vez, entreguei o papel do correio avisando que eu deveria ir buscar o livro devolvido, junto com a lista de material escolar, digo, a lista de documentos exigidos para a entrega do mesmo.
O insosso e rude atendente apanhou os documentos, conferiu todos, um a um, com zelo de mãe gentil (pessoal de serviço público tem verdadeira adoração por documentos...) mas quando chegou no RG, olhou para o nome, olhou para a minha cara e declarou solene (te peguei, filha da puta!):
- Esse documento não é da senhora!
- Claro que é! Respondi na bucha, sem nenhuma hesitação ou constrangimento.
- Esse é o nome com que meu pai me registrou quando eu nasci, completei.
- Mas esse nome é de homem! Apressou-se em me corrigir o intrépido e zeloso agente da ordem binária de gênero.
- Sim senhor: eu sou homem. De nascimento. Tem algum problema em o senhor me devolver o livro por causa disso?
Ele não disse nada. Apenas parou um minuto, tentando processar minhas informações com seus dois neurônios de reserva e concluiu:
- Então a senhora assine aqui nesse recibo de entrega, exatamente com a mesma assinatura aqui da carteira (ele não tinha desistido do jogo vou te pegar filho da puta).
- Perfeitamente, respondi já apanhando a caneta para assinar.
E assinei o papel, igualzinho tava no RG, sem dizer nada.
Ele conferiu as assinaturas minuciosamente, anotou o endereço, telefone, data de nascimento, estado civil, número do RG, do CPF e da PQP. Mas mesmo assim parecia não ter ficado completamente satisfeito com o dossiê que montou ao meu respeito, pois apanhou a pilha de documentos, mais o recibo assinado "igualzinho" ao RG, e levou tudo para a mesa de um cara atrás dele, provavelmente seu supervisor imediato.
Os dois debatiam a validade da minha documentação como se examinassem a legitimidade de uma relíquia do templo de Jerusalém. De vez em quando, o cara da mesa me olhava por cima dos óculos, barnabescamente depositados na ponta do nariz.
Finalmente a reunião de avaliação terminou. Vi que o atendente tirou um xerox dos meus documentos e deixou sobre a mesa do cara com o óculos na ponta do nariz. Depois apanhou o papel que o carteiro tinha deixado na minha caixa de correio, com o número para a devolução, e foi lá para dentro, provavelmente apanhar o livro para me devolver.
O cara atrás da mesa continuou ainda olhando os documentos e conferindo com a minha cara, por cima dos óculos na ponta do nariz.
Alguns muuuuuitos e insuportáveis minutos depois, o atendente voltou com o papel numa mão e a outra mão "abanando", como se diz na gíria, isto é, sem o livro.
- Senhora, o objeto ainda não se encontra aqui na nossa agência. Vou lhe devolver seus documentos.
- Mas como? Deixaram esse aviso para eu apanhar o objeto até a data de amanhã!
- Sim, mas ele ainda não está “disponível para entrega”. A senhora vai ter que voltar amanhã.
Eu juro que tive vontade de ser enquadrada na lei de segurança nacional por desacato à autoridade. Mas o que me freou foi me imaginar enfrentando outra repartição pública, dessa vez uma delegacia, sem ar condicionado, nesse calor insuportável de Curitiba no verão.
Assim, limitei-me a perguntar a ele quanto ao recibo que eu tinha assinado (e que ele mais o chefete dele tinham levado horas comprovando a veracidade da assinatura...).
- Mas e o recibo de entrega que eu assinei para você?
- Ah, não se preocupe. Pode deixar que eu vou rasgá-lo agora mesmo.
Um comentário:
Socorro!!! Qta ignorância!!! Se me permite, fiquei curiosa... conseguiu pegar no dia seguinte?
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