domingo, 24 de dezembro de 2017

Uma Crônica de Natal

Era pela janela do quarto que o mundo me chegava e ele se resumia ao que meus olhos e ouvidos alcançavam. Sons conhecidos do dia: o leiteiro, o verdureiro, o carteiro, o pedinte. Sons misteriosos da noite que faziam o meu sono demorar a chegar: passos desencontrados, risos aterradores, cães uivando, gatos brigando nos telhados da rua. Quando amanhecia eu abria a janela e lá estavam todos, como sempre: os postes, a rua calçada de paralelepípedos, as o ônibus que veio suceder o bonde, as árvores mirradas, recém-plantadas pela prefeitura, e sem nenhuma vocação para se tornarem centenárias. No jardim da casa, havia uma confusão de flores e arbustos que ninguém tinha plantado, que ninguém cuidava e que pareciam eternos porque eram sempre felizes e viçosas.

O mundo foi crescendo na mesma medida em que eu fui crescendo. A rua virou outras ruas e outras avenidas. O bairro virou uma cidade grande, cheia de bairros por todos os lados. A própria cidade virou muitas outras cidades. E eu descobri que muitas cidades juntas formavam um país e, muitos países juntos, continentes. Descobri que eu morava num planeta e que esse planeta era minúsculo, menos do que uma formiga em relação ao tamanho incalculável de tudo. E que havia milhões de sóis e luas e estrelas e planetas e buracos negros por esse universo afora. Agora, que eu sou grande, o mundo é grande também. Aliás, infinitamente maior do que eu, que pareço menor do que um micróbio quando me imagino no mundo.

Também não há mais aqueles sons que me assustavam tanto na noite da minha infância, despertando meus medos e fazendo eu chamar por meu pai para me proteger dos fantasmas. Mas ainda hoje, nas noites de natal, eu atiço os ouvidos e fico esperando por um rô-rô-rô, tão familiar quanto desconhecido, que virá, impossivelmente, no lugar do meu pai, me resgatar e me defender desse mundão grande e ameaçador em que a minha pequena rua infantil se transformou.

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Dedico essa crônica a todas as pessoas que me enviaram votos de feliz natal e próspero ano novo, agradecendo e retribuindo o gesto carinhoso das suas mensagens que vieram aquecer o meu coração. Letícia Lanz
Natal de 2017


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