segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Governo Trump quer definir sexo como adquirido por nascimento e imutável


Protesto em Nova York contra decisão do governo Trump de
  proibir transgêneros nas Forças Armadas - Carlo Allegri, 26/07/17/Reuters
Uma série de decisões pelo governo do democrata Barack Obama havia alargado a definição de gênero em programas federais, incluindo na educação e na saúde, reconhecendo o gênero como algo de escolha do indivíduo e não algo determinado pelo sexo com que a pessoa havia nascido. Essas políticas levaram a discussões sobre banheiros, dormitórios estudantis, programas exclusivos para meninos ou para meninas e sobre outras áreas em que o gênero era antes visto como algo simples. Conservadores, especialmente cristãos evangélicos, criticam duramente as medidas.

Agora, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos está à frente de um esforço para estabelecer uma definição legal de sexo sob o Título 9, a lei federal de direitos civis que bane discriminação baseada em gênero em programas educacionais que recebem dinheiro federal, de acordo com um memorando obtido pelo The New York Times.

O departamento argumenta no documento que importantes agências governamentais precisam adotar uma definição explícita e uniforme de gênero "com uma base biológica que seja clara, baseada na ciência, administrável e objetiva". A definição proposta pela agência definiria o sexo como masculino ou feminino, imutável, e determinado pelos genitais com que a pessoa nasceu, de acordo com o rascunho obtido pelo jornal. Qualquer dúvida sobre o sexo de uma pessoa seria resolvida com testes genéticos.

"Sexo significa o status da pessoa como homem ou mulher baseado nos traços biológicos imutáveis identificados no nascimento ou antes dele", diz o memorando. "O sexo listado na certidão de nascimento original será prova definitiva do sexo da pessoa, a não ser que seja alterada por testes genéticos confiáveis."

A nova definição erradicaria do reconhecimento federal cerca de 1,4 milhão de americanos que se descrevem como tendo um gênero diferente daquele com que nasceram, tendo ou não feito cirurgia de mudança de sexo.

"Essa é uma posição que afirma que aquilo que a comunidade médica entende sobre seus pacientes — e o que as pessoas entendem sobre elas mesmas— é irrelevante, porque o governo discorda", diz Catherine E. Lhamon, que liderou o Escritório de Direitos Civis do Departamento de Educação no governo Obama e ajudou a criar as políticas que estão agora sendo desfeitas.

A decisão seria a mais significativa dentro de uma série de manobras, grandes e pequenas, que tentam excluir a população transgênero de proteções civis e desfazer esforços do governo Obama por um reconhecimento mais fluido da identidade de gênero.

O governo Trump já tentou barrar pessoas transgênero das Forças Armadas e já tentou reverter legalmente proteções de direitos civis para pessoas transgênero na lei de saúde do país.

Várias agências federais já reverteram decisões da era Obama que reconheciam identidade de gênero em escolas, prisões e abrigos para sem-teto, entre outros locais. O governo Trump tentou até remover perguntas sobre identidade de gênero do Censo de 2020 e de uma pesquisa federal sobre idosos.

No último ano, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos tem argumentado que o termo "sexo" nunca teve a intenção de incluir identidade de gênero ou mesmo homossexualidade, e que a falta de clareza permitiu que o governo Obama erroneamente estendesse proteções civis a pessoas que não as deveriam ter.

Roger Severino, diretor do Escritório de Direitos Civis do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, não quis responder a perguntas detalhadas sobre o memorando ou sobre seu papel nas discussões interagências sobre como revisar a definição de sexo no Título 9.

Mas funcionários do departamento confirmaram que o esforço para limitar a definição de sexo para efeitos de leis de direitos civis federais resultou de sua leitura das leis e de uma decisão judicial.

"As pessoas transgêneras estão assustadas", disse Sarah Warbelow, diretora legal da Human Rights Campaign, grupo que pressiona por direitos para lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. "A cada passo em que teve oportunidade, o governo optou por virar as costas para os transgêneros."

Depois de mais de um ano de discussões, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos está se preparando para apresentar formalmente a definição ao Departamento de Justiça até o final do ano, segundo funcionários.

Se o Departamento de Justiça decidir que a mudança é legal, a nova definição pode ser aplicada em programas regidos pelo Título 9 e em agências federais. O Departamento de Justiça não comentou sobre o memorando.

O governo do presidente americano Donald Trump está estudando definir gênero como uma condição biológica e imutável determinada pela genitália no momento do nascimento, na decisão mais drástica até agora no esforço da administração para reduzir as proteções a pessoas transgênero pela lei de direitos civis federal.

(Folha de São Paulo, 22-10-2018. Reportagem de Erica L. Green , Katie Benner e Robert Pear, do The New York Times)



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