domingo, 16 de dezembro de 2018

A generificação dos corpos como fonte de desigualdade entre os seres humanos

O gênero é o dispositivo sociopolítico que divide as pessoas em homens e mulheres, de maneira totalmente arbitrária, tendo como critério de divisão unicamente o fato de terem nascido macho ou fêmea, isto é, portadoras de um pênis ou de uma vagina. Gênero é o primeiro e o mais poderoso dos 4 grandes pilares que sustentam a divisão orgânica e organização da sociedade dando origem e sustentação, naturalmente, às hierarquias, privilégios e sobretudo desigualdades humanas. Os outros três são raça/etnia, classe socioeconômica e religião.

Em função da simples presença de um órgão genital, machos e fêmeas são compulsoriamente, submetidos a um pesado, intenso e contínuo processo de adestramento social, que se vale de requintadas estratégias de manipulação, terrorismo e vigilância social, através do qual a sociedade tenta assegurar-se que machos sejam enquadrados e se comportem como homens e fêmeas sejam enquadradas e se comportem como mulheres.

Falando de modo objetivo e direto, o processo de adestramento social de gênero “produz” homens e mulheres a partir de machos e fêmeas biológicos, de acordo com o modelo de masculinidade e feminilidade em vigor na sociedade de uma determinada época e lugar. Para realizar essa tarefa, o primeiro alvo do processo é o sufocamento, a repressão e o recalque, na fêmea, de atributos humanos considerados “masculinos” assim como o sufocamento, a repressão e o recalque, no macho, de atributos humanos considerados “femininos”.

Em virtude dessa ampla e total “generificação dos corpos”, ostensivamente promovida pela sociedade com o objetivo de “normalizar” e controlar o comportamento das pessoas, o macho e a fêmea têm a sua existência física e mental “rachada ao meio”, com uma das partes é violentamente reprimida e recalcada. Ou seja, a manifestação do trato feminino, no macho, assim como o do trato masculino, na fêmea, é violentamente interditada pela sociedade, gerando seres humanos que existem apenas “pela metade”. Não é por acaso que, ainda hoje, o companheiro se refira à sua companheira, e ela a ele, como sendo a sua “cara metade”...

Clinicamente, tenho observado que esse “recalque forçado” é fonte inesgotável de neurose (e psicose). Vivendo pela metade, faz todo sentido que as pessoas vivam completamente ansiosas ou deprimidas, buscando formas de libertar sua parte reprimida e renegada ou lutando desesperadamente para mantê-la sufocada dentro de si.

Mas as consequências desse insensível e violento “fatiamento em dois” do ser humano não ficam apenas no plano psíquico, sendo ainda mais graves e desastrosas na esfera sociopolítico-econômica. Ser homem e ser mulher tornam-se expressões diametralmente opostas e absolutamente irreconciliáveis do mesmo ser humano o que representa, na prática, o estabelecimento de hierarquias de poder ao longo da história, com nitidos privilégios e vantagens para a parte humana considerada “mais nobre”: a parte masculina.

Tenho plena e total convicção de que a última grande revolução da humanidade será a revolução do gênero, através da sua total eliminação como critério de classificação e hierarquização dos corpos biológicos. A desigualdade não será eliminada até que se elimine essa espúria e desnecessária separação das pessoas em homens e mulheres, exclusivamente em função do seu órgão genital.
 
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