terça-feira, 9 de abril de 2019

A medicina tem que parar de tratar as pessoas transgêneras como se fossem doentes!


Imagem relacionadaO conceito de gênero, como variável de ordem sociopolítica-cultural, desvinculado do conceito de sexo, foi um dos principais (senão o principal) aportes teóricos e práticos do Feminismo, instrumentalizado pelos Estudos de Gênero, pelos Estudos Transgêneros e pela Teoria Queer. A partir desse marco teórico, o sexo teve que passar a ser visto como um atributo de ordem meramente biológica: as pessoas são fornecidas pela natureza em quatro modalidades distintas: macho, fêmea, intersexuado e nulo.

As expressões e manifestações de gênero foram progressivamente desindexadas da visão antiga e mal fundamentada de que sexo implicava direta e necessariamente em gênero. Consequentemente, o gênero passou a ser estudado fora da órbita médica, especialmente da órbita das patologias clínicas, passando a ser uma questão de direito, vinculada à Ordem Jurídica vigente na sociedade. Foi esse posicionamento que levou o Supremo Tribunal Federal, no julgamento – favorável – ao pleito da ADI 21, em abril de 2018, a reconhecer o direito das pessoas transgêneras em modificarem seus nomes civis e viverem em outra identidade de gênero, desvinculada do seu sexo biológico, com uma simples ida ao cartório, sem nenhuma necessidade de audiência de médicos, psiquiatras e psicólogos para opinarem quanto à “sanidade mental” dessas pessoas.


Se o direito evoluiu para atingir essa compreensão, a medicina, a psicanálise e a psicologia, à área de saúde, continua resistindo o mais que pode em reconhecer que sexo e gênero são duas coisas distintas e que, portanto, devem ser abordadas de maneira inteiramente distinta.

O problema é que nem as entidades “representativas” da população transgênera conseguiram se livrar do vício histórico de considerar as transidentidades direta ou indiretamente como “desvios” e “transtornos” que requerem a intervenção médica.

Como eu já afirmei várias vezes, a intervenção médico-psicológica em casos de transgeneridade só deve acontecer A PEDIDO da pessoa trans que, de alguma forma, não está dando conta de conduzir sua vida de maneira “normal”, especialmente numa sociedade que ainda insiste em trata-la como doente e delinquente.

Infelizmente, o que não falta são mistificadores, praticantes da medicina, da psicanálise, da psicologia, que se oferecem imediatamente para rotular e tratar pessoas transgêneras, de modo a “cura-las” das suas “doenças”.

Infelizmente, também, a classe média pequeno-burguesa e as escolas de ensino fundamental e médio, permanentemente apavoradas com a ideia de seus membros saírem da norma de conduta binária da sociedade (macho-homem e fêmea-mulher), saem desesperadas implorando a assistência da medicina para resolverem um problema que é eminentemente jurídica, originado pela ordem política e cultural vigente na sociedade.

Eu não nasci no corpo errado: nasci na sociedade errada. Como dizia o apóstolo Paulo, em Romanos 7:7, eu pequei porque tinha a lei, a norma; mudem a lei, a norma que eu paro de pecar...

Recentemente, em entrevista ao UOL, o dr. alexandre sadeh, considerado um dos expoentes do país no “tratamento clínico” de pessoas transgêneras (que ele chama de transexuais, para manter o caráter patológico desse fenômeno, já que “transexual” é um termo médico) declarou que está aumentando muito o número de pessoas trans e isso se deve a um modismo, influenciado pela mídia. Não passa pela cabeça do renomado doutor que o feminismo, ao mostrar que sexo e gênero são coisas desatreladas uma da outra, promoveu o desbloqueio e a descompressão mental de centenas, milhares, quiçá milhões de pessoas que se viam obrigadas a personificar uma categoria de gênero – homem ou mulher – com a qual não se identificavam. Tudo pelo simples fato de terem que se manter dentro da lei, fieis à norma arbitrária de que nasceu fêmea tem que ser mulher, nasceu macho, tem que ser homem.

Felizmente, o dr. sadeh está profundamente equivocado. O mundo não é mais aquele do século XIX, em que a medicina dava as cartas patologizando sem piedade os comportamentos que fugiam à norma da ordem social vigente. Por mais que ele “force a barra” tentando manter e justificar seu binarismo primário de que homem é homem e mulher é mulher (visão idêntica à da ministra do azul e rosa...), o binarismo de gênero foi detonado ou, pelo menos, se encontra seriamente danificado.

Pessoas cisgêneras, enfronhadas e profundamente interessadas no mundo transgênero, me fazem lembrar o mecanismo de “compensação” do ego, conhecido como “sublimação”. Não podendo “assumir ser a coisa”, no caso uma coisa considerada transgressiva à ordem vigente, a pessoa “sublima” seu desejo. É muito possível que seu empenho seja resultado de um processo de sublimação, em que ele “sublimou” o seu desejo de transicionar dirigindo o seu olhar (de médico do final do séc. XIX) para "curar" pessoas que ele chama de transexuais, que é a forma patologizada de tratar pessoas transgêneras.

A transgeneridade NÃO É um fenômeno que careça de atenção médica, como um surto de sarampo, mas de ordem jurídica. O problema é que nem as entidades representativas de transidentidades reconhecem e admitem isso. Parece até que gostam de ser tratadas como doentes, com medo de serem tratadas como delinquentes...

Fato é que, enquanto esse discurso não mudar, vão continuar a existir e a proliferar profissionais de saúde nitidamente transfóbicos, como o dr. sadeh ele e o dr. marco antonio coutinho Jorge. O dr. marco antonio é autor de um texto que classifca a transexualidade como a histeria do século XXI...

A transgeneridade é uma questão jurídica, de natureza sociopolítica e cultural, não uma patologia, como esses médicos do final do século XIX insistem em considerar. Com o apoio do conservadorismo de uma população AINDA predominantemente heterossexual-cisgênera e de entidades representativas, retrógradas em seus pleitos e em sua forma de reconhecer e abordar o drama existencial das identidades representadas.



Um comentário:

Unknown disse...

Uma pena que isso esteja acontecendo. Pessoas estão sofrendo, pais, mães e jovens estão sofrendo!