sexta-feira, 3 de julho de 2020

Quem Disse Que Não Há Trabalho? Redefinindo o significado do trabalho no mundo atual

Hildergard de Bingen, a abadessa beneditina do século XII, escreveu que, acima de tudo, ela queria "sentir-se útil". Muitos de nós compartilham do mesmo anseio; gostaríamos de pensar que existe uma razão para estarmos neste mundo. Somente quando somos capazes de preencher o que os yogis chamam de nosso dharma ou nosso propósito de vida, é que podemos realmente nos sentir felizes. Infelizmente, com muita frequência, nos encontramos em empregos cujo único propósito a que servimos é contar tempo até o próximo contracheque. Nossa vida profissional está repleta de tédio e aborrecimento; a gente realmente não se sente útil.

No seu último livro The Reinvention of Work: a New Vision of Livelihood for Our Time, o ex-padre dominicano Matthew Fox escolhe o campo místico para fazer recomendações sobre como dar significado às nossas ocupações e carreiras. Tradicionalmente, a palavra vocação está relacionada a um "chamado religioso", mas na nossa era pós-industrial, o Espírito foi alijado da maioria dos postos de trabalho. Trabalhamos mecanicamente, apaticamente, almejando apenas um aumento que nos permita comprar mais objetos para preencher o nosso vazio interior.

"A vida e o trabalho não deveriam estar separados mas sim fluírem da mesma fonte, que é o Espírito", escreve Fox. "Tanto a vida quanto o trabalho necessitam de ser vividos em profundidade, com significado, propósito, alegria e um senso de contribuição para a comunidade humana. Nosso trabalho precisa ser belo para aumentar a beleza do mundo, de cada pessoa, de cada trabalhador". O trabalho de uma vida "vem de dentro para fora", é a "expressão da nossa alma", como também "uma expressão do Espírito atuando no mundo através de nós". Quando estamos fazendo o trabalho para o qual a gente sabe que foi destinado, seja ele fazer comida para outras pessoas, criar peças de arte, fazer música ou servir de inspiração para outros, ou produzir objetos de que as pessoas precisam, temos a sensação de estarmos cumprindo o nosso papel, como também a satisfação de estar trabalhando em harmonia com o universo na obra de construção do mundo.

Isto não significa que devemos todos ser artistas ou terapeutas, ou que os trabalhos mais simples são necessariamente trabalhos de menor significado. Como Fox esclarece "uma pessoa que trabalha enxugando o piso, se está consciente do significado da sua tarefa e da importância da sua contribuição para a comunidade cósmica, então enxuga o piso como se realizasse parte de um ritual sagrado. Se o trabalho de alguém é útil e não causa dano ele sempre será um trabalho sagrado e parte da disciplina meditativa da pessoa - desde que a pessoa esteja atenta". Nós louvamos a Deus através do nosso trabalho. Todo trabalho contém suas cargas; o ponto é se elas têm significado ou não. Se nós realizamos nosso trabalho a partir do nosso Centro, a partir da nossa Fonte, ele sempre terá significado". Contudo, para muitos de nós, quando falta um senso de dignidade e um conteúdo mais criativo no nosso trabalho, o barulho do despertador nos chamando para mais um dia de labuta torna-se um som angustiante. É um fato bem noticiado que mais ataques cardíacos ocorrem na segunda-feira, entre oito e nove horas da manhã, do que em qualquer outra hora ao longo da semana.

"Algumas vezes o nosso trabalho nos mete em encrenca", comenta Fox, citando o exemplo de Jesus. O trabalho de Mathew Fox também lhe arranjou encrenca; em 1993, depois de anos tentando abafar seus escritos, que celebravam a beleza e santidade da natureza, o Vaticano cassou seu hábito sacerdotal. Despedido da função de padre católico, Fox foi readmitido imediatamente; está agora afiliado à igreja Episcopal onde lidera as chamadas missas RAVE, um novo tipo de missa na Catedral da Graça em São Francisco. Ao mesmo tempo, está começando um programa de PhD em Estudos Cristãos no Holy Names College em Oakland, Califórnia, onde ele é diretor do Instituto de Cultura e Criação da Espiritualidade. Ele é autor de quinze livros, incluindo os best-sellers The Coming of the Cosmic Christ and Original Blessing.

Eu me encontrei com Fox em seu escritório no Holly Names College para conversarmos sobre as crises, sociais e pessoais, que muitos de nós estão experimentando nos dias de hoje em nossos locais de trabalho.

Seu livro ficou na minha mesa por várias semanas até que finalmente eu me obriguei a sentar e começar a lê-lo. Eu pensei: "trabalho - que tema mais desgraçado! Eu não quero ler a respeito, eu não quero nem pensar a respeito! Eu tenho que pagar o aluguel; assim eu dou um sorriso amarelo e vou levando. Parece que desde que o Senhor expulsou Adão e Eva do paraíso, condenando-os a se sustentarem com o suor das suas faces, o trabalho sempre representou, inequivocamente, escravidão. Agora você vem nos dizer que há uma maneira diferente da gente pensar o trabalho. Ele pode ser um sacramento, uma parceria com o Divino na obra do Universo, um instrumento capaz de trazer mais alegria à existência. Por favor, diga-nos mais sobre esse seu conceito de trabalho.

Ele vem de tradições místicas, tanto do oriente quanto do ocidente. Eles sempre tiveram muito a dizer a respeito do trabalho, mas hoje em dia nos preferimos conhecer a opinião dos nossos banqueiros, nossos reitores, nossos empresários; ninguém pergunta aos místicos. Os místicos orientais e ocidentais concordam que o trabalho deve provir do coração e o coração é feito para a alegria.

Nós, seres humanos, fomos derivando em todas as direções e como resultado nos desligamos do trabalho do universo; e quando isso acontece nosso coração não consegue mais obter satisfação. O Tao-Te-King diz, "ao trabalhar, faça o que você aprecia", e São Tomás de Aquino, o teólogo católico do século XIII, diz que o propósito do trabalho é tornar manifesta a nossa boa disposição . "Tudo gera prazer desde o momento que é amado. É natural que as pessoas amem seu trabalho, porque nós amamos para ser e para viver, e isto se manifesta em nossas ações, e porque quando nós trabalhamos nós deixamos transparecer nossa própria bondade". O trabalho é uma manifestação do nosso eu interior, da nossa beleza, e da nossa reverência e gratidão pela vida.

Quem não se conecta ao trabalho do universo enfraquece a sua própria energia vital. Veja o terrível estado de desemprego existente no mundo atual! A gente já está até considerando o desemprego como coisa normal, como se tudo fosse pra ser assim mesmo. A Europa ocidental tem agora cerca de 13% de desempregados na sua força de trabalho. Isso não está bem. Quando as pessoas não têm trabalho elas não se sentem bem consigo mesmas, e daí vêm todas as formas de doenças espirituais, como a depressão, desespero, crime e violência. Estou convencido que o tema do desemprego é um tema espiritual, mas vamos falar em simples termos econômicos. Seria mais barato no sul da Califórnia, por exemplo, encontrar trabalho para esses jovens desempregados do que colocá-los na prisão - muito mais barato e naturalmente muito mais humano.

 

Eu estive na Suécia neste verão. A Suécia tinha uma próspera economia até cerca de quatro anos atrás, quando o rombo apareceu. Repentinamente, eles se viram cara a cara com o desemprego. Mas eles são mais inteligentes. Estudaram o modo americano, o modo inglês, e concluíram que esse não era o caminho a seguir. Os estudos têm demonstrado que depois de seis meses vivendo às custas da Previdência Social as pessoas viciam no salário desemprego e perdem o interesse em se reempregarem. Ao invés disso, o que os suecos estão fazendo é dar dinheiro às empresas para empregarem os desempregados. Eles dizem às empresas: "Criem postos de trabalho. Aqui está o dinheiro, encontrem trabalho para essas pessoas". O resultado é que as empresas são estimuladas a criar empregos. Por exemplo, ao invés das pessoas mandarem para o lixo suas TVs velhas, eles estão empregando os desempregados para desmontarem os aparelhos e reciclar os componentes.

Infelizmente, mesmo as pessoas que estão empregadas também sofrem de males espirituais. Ainda assim, muita gente teme cair fora de empregos que os arruinam enquanto pessoas com medo da pobreza ainda pior do que suas ocupações aborrecidas e sem significado. Onde alguém pode encontrar a coragem para realizar as mudanças pessoais necessárias para encontrar ou criar trabalhos espiritualmente significativos? Este é um tema crucial para pais e mães de família.

Recentemente uma mulher me disse: "Eu estava num trabalho que eu sabia não ser o trabalho que eu deveria estar fazendo, e isto estava me incomodando terrivelmente. Cheguei à conclusão de que se eu continuasse lá, minha alma secaria por completo, e por isso eu me demiti. Não tinha ideia do que é que eu iria fazer; eu só sabia que eu tinha que parar o que eu estava fazendo, em nome da minha saúde e da minha paz de espírito". O que aconteceu é que, em um mês ou dois ela encontrou o trabalho que ela sempre quis fazer e, ainda melhor, sendo remunerada por ele. Toda sua vida mudou para melhor. "Mas", ela disse, "eu nunca teria tido essa chance se não tivesse me demitido". Essa é uma história bem ilustrativa; boa parte da coragem necessária para assumir o risco de mudar pode vir da filosofia de vida da pessoa.

Deixe-me contar-lhe a respeito de uma família onde o pai e principal provedor da casa estava altamente insatisfeito no seu emprego. A família tomou coletivamente a decisão de reduzir conscientemente seu padrão de vida, de tal forma que o pai pudesse demitir-se e encontrar um trabalho mais próximo do seu coração. Houve então uma grande coesão familiar porque a coisa se tornou uma aventura em grupo. Eu me lembro quando os visitei. Havia muita energia e alegria e humor e uma comunicação muito saudável entre todos os membros. Neste exemplo, a coragem veio da família. A família tornou-se não um peso, como costuma ser na imaginação de muitos, mas o principal aliado do pai para encontrar um trabalho dentro das suas verdadeiras inclinações.

Um outro lugar de onde a gente pode tirar coragem é da nossa ira, do ultraje moral a que ficamos expostos. Se a gente ficasse suficientemente enfurecido com o que a gente está fazendo com o planeta, muitos de nós deixariam o trabalho que está fazendo porque não é bom para o planeta. Podemos também reinventar o trabalho no qual já estamos envolvidos dentro de uma perspectiva mais ecológica - não precisamos necessariamente de deixá-lo. Eu penso que nós subestimamos o poder da ira e da paixão por uma causa como fonte para nos dar coragem. É isso que acontece com as pessoas na guerra e nos campos de futebol. Poderia acontecer também em temas mais importantes como o trabalho, a vida e a cidadania!

 

Um dos aspectos mais amargos que muitas pessoas experimentam é que eles honestamente não sabem o que o seu trabalho é. Na Índia, como em muitas culturas mais tradicionais, você cresce sabendo qual será a sua profissão e a aprende de sua família. Na nossa cultura, muitas pessoas gastam anos, algumas vezes décadas, tentando descobrir o que eles nasceram para fazer, que tipo de trabalho preencheria suas almas. O que você recomendaria a essas pessoas?

Francamente eu penso que é um processo de oração. A pessoa tem que entrar em meditação e perguntar-se uma ou duas questões. Que trabalho o planeta quer de nós hoje, de mim em particular? Que trabalho as futuras gerações querem de mim hoje? Eu penso que se você fizer isso, você conseguirá as respostas. Olhe para as suas dádivas pessoais, seus talentos, suas habilidades, acima de tudo, para suas paixões. Como disse Joe Campbell, de onde obtemos nosso êxtase, de onde a alegria nos chega? Então saia e procure esse tipo de trabalho ou faça-o acontecer; crie-o.

Estamos no fim da definição de trabalho como concebido dentro da revolução industrial e no começo de uma nova concepção, centrada na revolução ambiental. Devemos compreender que a maioria das novas e saudáveis formas de emprego ainda não existem. Não existe nenhum nicho pronto para a gente preencher. Nós precisamos dar gestar e parir empregos saudáveis, algumas vezes dentro da nossa própria profissão atual, outras vezes fora delas, em formatos ocupacionais inteiramente novos. Este é um momento de grande criatividade. Não podemos presumir que os empregos certos já estão por aí, sentados em algum lugar esperando que a gente vá preenchê-los. Será necessário uma boa dose de imaginação moral para reinventar o nosso trabalho.

Um amigo muito querido está tentando o enfoque holístico na área do Direito. Como advogado. está lutando para trazer de volta a ética, a verdade e a justiça ao terreno da aplicação da lei. Ironicamente, o sistema legal como um todo está ajustado para excluir e até mesmo impedir qualquer manifestação de sensibilidade, e muitos advogados ficam enojados pela falta de compaixão que suas carreiras lhes impõe. Você pode sinalizar alguma esperança realista para pessoas como ele, no sentido dele transformar sua vida profissional, e até mesmo sua própria profissão?

Ontem mesmo um advogado esteve conversando comigo sobre o que ele tem tentado fazer para reformar sua profissão. Uma coisa que os advogados têm de fazer é juntarem forças e atuarem conjuntamente do mesmo modo que os Médicos pela Responsabilidade Social (Physicians for Social Responsibility) fizeram. Não é algo que se possa fazer sozinho; não se trata de crispar os dentes e partir para a luta. É necessário um grupo que lhe dê suporte. Vocês não precisam estar todos no mesmo escritório, vocês podem usar a Internet!

Todo profissional precisa de ter um grupo de referência, de onde possa receber inspiração, suporte, encorajamento, um ombro para chorar ou para celebrar. No começo você deve procurar essa base fora da sua área profissional; sentindo-se mais fortalecido, vá e faça as suas incursões junto aos seus pares. Isto é verdadeiro, seja você um professor universitário ou um médico ou um artista ou um advogado ou alguém trabalhando no campo religioso. Profissionais precisam de comunidades de base para manter os seus valores sintonizados com a realidade. Em profissões de caráter patriarcal praticamente não há recompensas para quem demonstra compaixão e justiça. Por outro lado, a própria formação acadêmica precisa ser radicalmente alterada, incluindo-se aí as Escolas de Direito e de Medicina, de tal modo que os mais jovens possam emergir daí com valores e sensibilidade de que o seu campo de trabalho é essencialmente serviço, e não como uma via rápida através da qual alimentar suas famílias e assassinar suas vidas.

No seu livro você cita frequentemente o Bhagavad Gita, um texto familiar para muitos estudantes de yoga. O Gita nos ensina a oferecer o nosso trabalho como um sacrifício ao Divino, a trabalhar sem apego aos resultados - positivos ou negativos - das nossas ações.

Eu fico muito tocado pelas coisas que o Bhagavad Gita diz sobre o trabalho. Quando você parte para a abordagem mística no mundo das religiões, você descobre que todas elas apresentam em diversos aspectos uma visão bastante comum de mundo. Os místicos do oriente e do ocidente compartilham da idéia de que "deixar rolar" e entrar no "processo" do trabalho é mais importante do que o produto. É exatamente o que o grande místico cristão Meister Eckhart nos fala a respeito. Ele diz: "Não almejem a recompensa ou a bem-aventurança, porque dessa forma suas ações serão completamente estéreis. Eu lhes digo que mesmo que vocês tenham o próprio Deus como a sua meta, qualquer ação que vocês façam com esta intenção não só resultará inútil, como poderá arruinar tudo de bom que vocês já construíram até então. Entrem no terreno para onde a vida lhes encaminhar, e trabalhem nele com fé, alegria e desapego, e todas as suas ações serão fonte de vida". Os místicos nos advertem para abandonarmos nossas motivações superficiais e agirmos a partir dos ditames do nosso eu mais profundo.

Porque o processo místico de "deixar rolar" não deveria ser parte integrante do trabalho convencional, como também a experiência mística da alegria, da celebração, do êxtase? É o modo como nos relacionamos com a totalidade das nossas ações que lhes confere, ou não, caráter espiritual. O mundo moderno dessacralizou tudo, incluindo o trabalho: todos os relacionamentos, a sexualidade, o dinheiro, até mesmo as religiões! É esse o motivo porque as religiões ficaram tão chatas, burocráticas e vazias. Resgatar o seu lado espiritual não é um episódio isolado na sua vida, mas uma completa revisão do seu modo de se relacionar com todas as coisas em sua vida. Como Lakotas diz, "é algo que diz respeito ao conjunto de todas as nossas relações". Tudo deve ser sacralizado, ou nada será. Uma vez que a gente recobrar o senso de sacralidade do universo, então a gente vai entender como e porque nosso trabalho precisa estar conectado ao trabalho do universo.

Algumas vezes os estudantes de ioga chegam à conclusão de que o melhor curso de ação é a não-ação; que o estilo de vida ideal é abandonar o mundo em todo sentido, retirando-se para um mosteiro e lá passar o tempo todo meditando. Muitas das escrituras hinduístas, entretanto, como o clássico yoga Vasishtha, insistem que todos nós temos um papel a desempenhar nos planos do Criador, e por isso mesmo precisamos de manter nosso centro espiritual através de um estilo de vida ao mesmo tempo contemplativo e que atenda às nossas responsabilidades mundanas. No seu livro, você também enfatiza que santidade não consiste em não-ação mas em conduzir as ações apropriadas com pureza de intenções.

Eu fui muito influenciado pelo Bhagavad Gita e fico realmente um pouco surpreso com o fato de alguns praticantes do hinduísmo não darem a mínima bola para o trabalho. Eles parecem por tanta ênfase no trabalho interior que deixam de se importar com a sociedade e com o modo como se relacionam com ela. De fato, na noite passada estive conversando com um amigo que cresceu na Índia. Ele foi alimentado com a idéia de que o misticismo oriental não se incomoda com a profecia, não se incomoda com a justiça social ou com a reconstrução social. Eles realmente precisam dos ensinamentos de Jesus e dos profetas para despertá-los, assim como o ocidente precisa do oriente para despertar suaconsciência mística. Nós precisamos um do outro. Nenhum dos lados tem todas as respostas.

São Tomás de Aquino afirma que não pode haver nenhuma alegria em viver sem alegria no trabalho. O primeiro passo para alcançar a alegria, para alcançar o deslumbramento em nossas vidas é prestar atenção à nossa vida interior. O segundo passo para dar nova vida ao nosso trabalho é reafirmar o propósito original de cada profissão: servir outros. Então nós nos tornamos úteis e o nosso trabalho se torna útil. Nossa criatividade se torna uma agradável participação no grande trabalho do universo, o contínuo nascimento da Divindade no universo ao nosso redor. Isto é o que eu chamo de bom trabalho.

Matthew Fox salta para recomeçar seu próprio bom trabalho: há estudantes para acompanhar, palestras a preparar, serviços religiosos para organizar, livros para escrever. Ele parece tranqüilo com a sua recente, abrupta e involuntária mudança de carreira. Rejeitado pela Igreja Católica Romana pela sua atitude herética a respeito da criação, prazerosamente ele continua o seu ministério ecológico com o mesmo entusiasmo de sempre. Ele sabe o que ele nasceu para fazer: ajudar a chamar a humanidade de volta para o seu relacionamento com o Divino, com a natureza e consigo mesma. Nada, nem o papa em pessoa, pode impedi-lo de fazer isso.

Alegremente, Matthew Fox volta para o trabalho.

Excertos do livro The Reinvention of Work: a New Vision of Livelihood for Our Time:

Desde 1948, a produtividade do trabalhador norte-americano mais que duplicou, o que significa que ele poderia estar trabalhando apenas quatro horas por dia ou seis meses por ano e ainda estaria produzindo nos mesmos padrões de 1948. "Ou, cada trabalhador nos Estados Unidos poderia agora trabalhar apenas ano sim, ano não - e recebendo salário". Ao invés disso, a economia americana descambou para o vício do consumo, gastando mais tempo comprando do que qualquer outro povo na Terra e gastando um percentual cada vez maior do dinheiro ganho... Juliet Schor assinala que os povos primitivos, "na disputa entre o querer e o ter... sempre mantiveram baixo o seu querer - e, deste modo, asseguraram sua própria espécie de satisfação. Eles podem ser considerados pobres dentro dos padrões contemporâneos, mas em pelo menos uma dimensão - o tempo - eles podem ser vistos como muito mais ricos".

S. Tomás de Aquino ensina que a Providência, o princípio que governa o universo, encaminha nossas diversas vocações para o trabalho. Nossas vocações são parte de um princípio ordenador do universo... Observe como Aquino indica a forma como nós encontramos a nossa vocação: por nossas inclinações naturais, através daquilo que a gente aprecia fazer, está equipado para fazer, e sente prazer em fazer.

Quando o nosso eu interior se conecta com o nosso trabalho e o nosso trabalho com o nosso eu interior, o trabalho não conhece mais limites, pois o eu interior não conhece limites.

Nosso trabalho é... um espaço sagrado, um templo, poderíamos dizer, onde Deus opera o trabalho divino no mundo. Nos nossos momentos de criatividade a gente sempre sente isso - a presença de um mistério maior do que a gente mesmo emergindo verdadeiramente do nosso trabalho.

Nós deixamos masoquisticamente que outras pessoas estabeleçam o nosso mundo para a gente... Qual o prazer em fugir da nossa própria criatividade? Em deixar que que outras pessoas exerçam a sua criatividade sobre nós ao invés de reafirmarmos a nossa própria criatividade? É necessário um trabalho profundo com a gente mesmo para que a gente se sinta fortalecido para assumir a nossa responsabilidade de co-criadores.

O trabalho necessita de liberdade; necessita santificação; necessita celebração... Nossa busca por significado no nosso trabalho, por reconhecimento, por excitação, encantamento e êxtase é outro modo de dizer que o nosso trabalho merece ser uma experiência mística.

A vida interior de há muito tem sido negligenciada ou posta de lado em nome do trabalho exterior. Nosso tempo reclama um trabalho sobre a nossa própria espécie humana - nossos jovens deprimidos, violentos e destrutivos; nossos adultos racistas, sexistas, apáticos, entediados, desempregados, desesperados; nossas desgastadas instituições políticas, econômicas, educacionais, religiosas, artísticas, etc. Quem disse que não há trabalho?

NOTAS

Essa é uma entrevista de Matthew Fox à jornalista Linda Johansen. A entrevistadora Linda Johnsen é autora do livro Daughters of the Goddess: The women saints of Índia (Filhas da Divindade: as mulheres santas da Índia). Na época da entrevista,  trabalhava num segundo livro, intitulado The Living Goddess of Índia (A Divindade Viva da Índia), descrevendo o entendimento hinduísta de quem e o que a Divindade realmente é.

O livro de Matthew Fox sobre o qual esta entrevista se refere é: FOX, Matthew. The Reinvention of Work: A New Vision of Livelihood for Our Time", San Francisco, Harper, 1995.

Esta entrevista foi publicada na edição de maio/junho de 1995 da revista Yoga International e traduzida por Geraldo Eustáquio de Souza (Letícia Lanz) para uso dos alunos da graduação da Universidade Holística International - campus avançado de Belo Horizonte, em julho de 1998.