Informei ao repórter, totalmente desinformado, que eu fiz a minha “transição de gênero” e ele entendeu – e publicou -, na sua visão primitiva e arcaica da realidade humana, que eu tinha feito “cirurgia de mudança de sexo”.
Infelizmente, pessoas que pensam como ele continuam a ser a grande maioria da nossa sociedade. Gente que foi educada a partir de uma visão patriarcal-machista-sexista da sociedade, para quem sexo e gênero são absolutamente a mesma coisa e determinado única e exclusivamente pelo órgão genital que a pessoa traz entre as pernas ao nascer.
Na concepção do douto jornalista, para alguém “deixar de ser homem” e “tornar-se mulher”, é necessário fazer a tal "cirurgia de mudança de sexo", uma concepção muito comum na década de 1950, quando transgeneridade era considerada patologia mental grave. Essa gente não consegue compreender que sexo é um determinismo da natureza, enquanto gênero é um discurso normativo da sociedade, imposto aos seres humanos em função do seu sexo genital.
O sexo genital não precisa ser mudado para que seja mudado o gênero de uma
pessoa.
Não é preciso nenhuma intervenção cirúrgica para que a pessoa assuma o papel
social de homem, tendo nascido fêmea (ou seja, com uma vagina) ou o papel
social de mulher, tendo nascido macho (ou seja, com um pênis).
Aliás, sexo, a rigor não pode ser mudado, pois sua extensão na fisiologia humana vai muito além de um simples órgão genital. Do ponto de vista da natureza, ser macho ou ser fêmea implica em muito mais coisas que simplesmente possuir um pênis ou uma vagina.
Gênero, ao contrário de sexo,
independe da existência de qualquer estrutura anatômica e fisiológica
específicas. Para ser homem, ou mulher, ou outra categoria de gênero qualquer é
o bastante que a pessoa se reconheça e se declare como tal.
Identidade de gênero é algo inteiramente subjetivo. Pode-se, sim, ser homem, sem possuir um pênis (e, por extensão, toda a carga hormonal relacionada ao ser macho) ou ser mulher, sem possuir uma vagina (e, por extensão, toda a carga hormonal relacionada ao ser fêmea).
Sendo o gênero um discurso normativo imaterial, inteiramente destituído de qualquer tipo de ligação atávica com o sexo genital, para mudar de gênero é necessário e suficiente mudar de discurso: do discurso da masculinidade para o da feminilidade ou vice versa. Ou, ainda, para algum outro tipo de discurso, não necessariamente relacionado ao discurso binário de gênero (homem e mulher) vigente na sociedade.
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4 comentários:
Muito bem dito. Claríssimo!
Letícia...fora seu facebook (não tenho uma conta lá), que outra forma posso entrar em contato com você? Você tem algum e-mail? Uma vez eu te mandei um e-mail, mas acho que devia ser uma conta de e-mail antiga que você não usa mais.
Olá Letícia. Fiquei muito feliz em descobrir esse blog. Vi matérias suas a uns anos atrás e foram cruciais no meu entendimento a respeito do que eu sou. Sou uma mulher transgenero e pcd, tenho 48 anos e resolvi assumir minha condição graças a vc, a Laerte e outras pessoas que mostraram ser possível. Se vc ver essa mensagem gostaria que me respondesse pois estou tentando contato para, caso vc se interesse participar dos programas da TV 247 a respeito da sua candidatura. Estou em contato com o Mauro Lopes e ele tem interesse em te entrevistar para falar do seu projeto de governo. Aguardo resposta. Bjs. Débora.
Letícia..Você não usa mais o seu twitter?
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