terça-feira, 29 de março de 2022

Canhões e bofetões

 

Foram necessários milhares de anos de civilização, leia-se de treinamento e de condicionamento, para que a violência se tornasse um atributo masculino por excelência. A violência não se encontra no DNA do macho, como normalmente se divulga; pelo menos não na forma epidêmica que ocorre nas sociedades humanas ao longo da história. 
 
Ao contrário de ser um determinismo biológico, a violência masculina está indelevelmente marcada na cultura, de todas as sociedades, em todas as épocas. Os homens só se tornam violentos porque são instigados e educados a serem assim pelas próprias culturas em que estão inseridos. 
 
Em grande medida, o desenvolvimento da violência masculina teria sido necessário em razão do suprimento de alimentos através da caça de animais selvagens e da proteção e defesa da tribo e do território ao ataque de inimigos. Mas a força, assim como a inércia de mudança da cultura, é tão grande que, hoje em dia, mesmo tendo passado essas necessidades, a violência continua sendo estimulada no homem como se fosse um atributo estrutural do macho.
 
Vivi isso na escola quando, por não ter nenhuma motivação ou entusiasmo em participar de "jogos de guerra", tão incentivados pelos adultos entre os meninos, eu era chamada de maricas, "florzinha" e outras denominações ainda mais depreciativas para um "machinho" da espécie. Não me consta, desde então, que alguma modificação expressiva tenha sido feita nesses processos violentos de socialização de meninos.
 
Em outras palavras, o homem é ostensivamente adestrado para ser uma criatura violenta, pronta a disputar e a ocupar espaços, tenha ou não direito a eles, tenha ou não tenha razão. É a cultura que mobiliza e estimula os homens, desde o útero materno, para que sejam violentos e ajam de maneira violenta. Por isso, a guerra continua a existir, produção tipicamente masculina que é.
 
Por isso, a violência contra as mulheres, contra pessoas transgêneras, contra gays e lésbicas. Por isso, a violência econômica, representada pela pústula neoliberal que tanto violenta os extratos mais pobres e indigentes da população. Por isso, o tapa na cara do sujeito para defender a honra da mulher (o que é até uma evolução, já que, até recentemente, resolvia-se esse tipo de pendenga em duelos mortais).
 
Enquanto os machos não forem educados, desde cedo, para a paz, para a solidariedade, a tolerância e a compreensão, continuaremos a ter essas patéticas demonstrações de violência masculina, em nome do que seja. Especialmente se a violência é alegada como defesa de coisas como honra, paz, ética e civilização.

Como na frase atribuída ao comediante estadunidense George Carlin, “fighting for peace is like screwing for virginity” (lutar pela paz é como foder pela virgindade). 

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