Arrisco-me a dizer que eu não sou responsável nem ao menos por 10% daquilo que me acontece! Que tudo está praticamente fora do meu controle. Ao fazerem a afirmação de que tudo depende inteiramente de mim, esses gurus da autorresponsabilidade total e irrestrita das pessoas sobre suas próprias vidas não estão ajudando a ninguém, mas apenas servindo de arauto e reforço a um sistema sociopolítico-econômico injusto e desigual, que oferece oportunidades apenas a uns poucos e que descaradamente fecha a porta da esperança na cara da maioria. Estão apenas justificando que não há privilegiados, que é por total merecimento, espírito empreendedor e esforço próprio o sucesso de apenas uns poucos. Pois sim.
Além de injusto, desonesto e opressor, o sistema ainda consegue convencer muitas pessoas boas, honestas e trabalhadoras que elas é que não estão conseguindo se manter no comando de suas vidas, que é elas que estão tomando as decisões erradas e empreendendo as ações inadequadas. Que, se se esforçarem direitinho acabarão também tendo sucesso, como a meia dúzia de privilegiados do sistema.
O resultado desse discurso de “auto-ajudeiros” e “palestratantes” de todos os naipes, a serviço do neoliberalismo pseudo-meritocrata, é um bocado de gente com uma visão completamente destorcida da realidade, cada vez mais ansiosa e deprimida, chamando a si toda a culpa pelo seu fracasso pessoal e/ou profissional, acreditando piamente que o sistema não tem nada a ver com o seu insucesso.
Claro que o sistema tem tudo a ver com o malogro da maioria das pessoas, assim como tem a ver com o êxito de uma pequena minoria. É o sistema quem dá as cartas – leia-se, as oportunidades e os recursos – como também é o sistema quem cria os limites, os entraves, os obstáculos que impedem as pessoas de levarem adiante seus planos. Em outras palavras, o seu êxito, e muito especialmente o seu êxito nos negócios, é determinado basicamente por sua capacidade de criar objetivos utilizando técnicas de “visualização quântica”, de adotar regras e hábitos de bem viver, de cultivar o pensamento positivo, de seguir enfim, fielmente, todas as ferramentas e receitas que movimentam o mercado automotivacional.
Na prática, a coisa é muito diferente desse conto de fadas. Não adianta compromisso da sua parte se lhe faltarem oportunidades. Não adianta energia e determinação da sua parte diante de sólidos obstáculos sociopolíticos-econômicos que se erguem como fortalezas inexpugnáveis. Enfrentar, sozinha, os limites estruturais e conjunturais erguidos pela sociedade no caminho de cada pessoa é tão inútil e suicida como dar murro em ponta de faca.
Não adianta nada lutar sozinha. De vez em quando, alguma fada-madrinha de plantão até aparece para defender sua protegida e a felizarda consegue driblar os impedimentos sociopolítico-econômicos, aparecendo como vitoriosa e sendo glamorizada pela imprensa neoliberal como “guerreira” e “vencedora”. Mas é um caso em um milhão. A regra é perda-total para as demais concorrentes na disputa desigual por um lugar ao sol.
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