quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Dize-me a tua angústia, e eu te direi qual é o teu desejo recalcado

Impressionantes esculturas do jovem escultor sul-coreano Seo Young-Deok

Angústia é aquele “sentimento de estreiteza”, em que parece estarmos sendo sufocados, de onde vem as sensações de falta de ar e de palpitação, comumente narradas por pessoas em estados de angústia. É como se o meio exterior (o mundo, as outras pessoas, as circunstâncias) me pressionasse de cima para baixo e dos lados para o centro, considerando o meu corpo como núcleo de referência.

Sinto angústia cada vez que me julgo “abandonada” à minha própria sorte, sem poder contar com a proteção dos pais, dos amigos ou mesmo das instituições, como se eu estivesse completamente só no mundo, sujeita a todas as “intempéries” da natureza e da sociedade e, ao mesmo tempo, premida pela necessidade urgente de me livrar das pressões externas e internas que me mantêm prisioneira de mim mesma e refém da sociedade, totalmente incapaz de me mover desse lugar.

Por isso, também, a angústia é sempre acompanhada de muita ansiedade, que é o desejo psíquico de que “amanhã já fosse hoje”, de tal forma que eu não estivesse mais sentindo isso que estou sentindo e que tanto me tortura, consumindo inutilmente todas as minhas energias, sem me levar a lugar nenhum.

A pessoa angustiada está sempre esgotada, pois gasta toda a sua energia para produzir e manter a sua angústia. Nesse caso, a angústia pode ser vista como uma estratégia, muito mal sucedida, da pessoa absorver os impactos do mundo na sua existência individual. De transformar as pressões do meio exterior em “im”pressões internas de não-conformidade com os desejos dos outros em relação a mim mesma.

Provavelmente eu não esteja me sentindo a mulher bela e atraente que eu “deveria” ser, em função dos códigos de beleza e sensualidade em vigor na sociedade. Provavelmente eu esteja desempregado e, dessa forma, não esteja sendo capaz de me afirmar como “chefe” e provedor da família. Provavelmente eu esteja me sentindo de alguma forma inferior e não-conforme aos padrões de inteligência, sucesso e poder que me foram impostos pela sociedade.

Daí a angústia existencial de não estar sendo a pessoa que eu “deveria” ser. É exatamente nesse “deveria, mas não é” que reside toda a dor contida no processo de angústia.

Assim, a grande responsável pela angústia em que as pessoas vivem é a neurotizante aprendizagem social pela qual todo mundo é obrigado a passar, desde que põe o pé nesse mundo e até que o tira, ou seja, de mamando a caducando.

Somos ensinados, antes de tudo, a ser perfeitos. Devemos acertar sempre e não podemos errar nunca, em hipótese nenhuma, sob pena de nos sentirmos angustiados em relação a não estar atendendo as expectativas sociais ao nosso respeito. E a perfeição, assim como a beleza e a inteligência são dois conceitos altamente idealizados na nossa sociedade, que jamais poderão ser alcançados de forma absoluta e integral. Mas somos “educados”, isto é, socialmente pressionados, a sermos pessoas perfeitas, belas e inteligentes, o tempo todo, em todo e qualquer lugar e sob quaisquer circunstâncias.

Angústia é, assim, proveniente da minha sensação de inadequação ao que o mundo espera de mim, como da minha incapacidade de responder integralmente a essas demandas. Livrar-me, portanto, da angústia, implica em livrar-me das imposições do mundo sobre o meu ser e o meu estar no mundo. Numa simples expressão: cagar e andar para o que o mundo quer e espera de mim, que esteja muito acima das minhas capacidades pessoais de atendimento.

É esse desejo de “ser perfeita”, atendendo o desejo do mundo sempre em primeiríssimo lugar, que me faz me sentir angustiada. Especialmente porque, para atender os desejos do mundo é necessário, invariavelmente, abrir mão do meu próprio desejo, o que me causa a permanente sensação de desconforto e desamparo de mim em relação a mim mesma.

Se a sua angústia é pensar que vai morrer, pode apostar que o seu desejo reprimido é viver e desfrutar a vida. Coisa que você diz estar sendo “obrigada” a abrir mão em função das suas “responsabilidades” para com o mundo.

Se a sua angústia é pensar no que os outros estão pensando ou vão pensar de você, pode ter certeza que o seu desejo recalcado é ser você mesma, do jeito que você é, sem nenhuma preocupação com o que os outros dizem ou pensam ao seu respeito.

Rivotril não resolve, minha gente. Apenas disfarça, adiando e, ao mesmo tempo, intensificando a dor existencial de não estar se permitindo viver o próprio desejo.

Trabalhar a “angústia” é, portanto, trabalhar o reconhecimento, a libertação e a realização do seu próprio desejo. 


Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom, Letícia! A minha angústia provém de estar desempregada, aqui no Rio. Sou assistente social, com 54 anos, e o mercado está fechado pra mim. Tenho que pensar no meu futuro, porque é nele que vou viver. Me tornei sindica pra não pagar o condomínio. Minha namorada arca com todas as despesas da casa. Sofro. Não acho justo. Bjs. Meu e-mail: ieda.sindica@gmail.com