Uma coisa é se reconhecer e se entender como pessoa transgênera, alguém que recusa a identidade de gênero que lhe foi colada na testa ao nascer, exclusivamente em função do seu órgão genital e que, por isso mesmo, transgride abertamente as normas de conduta de gênero em vigor na sociedade.
Outra coisa é se entender como 100% homem ou como 100% mulher, com o pequeno e “insignificante” detalhe de estar habitando o “corpo errado”. Uma vez retificado esse corpo, e retificado o nome, também errado, que deram a esse corpo, tudo ficará bem e, como o patinho feio do conto infantil, a pessoa encontrará o seu bando de cisnes...
É fácil notar que se tratam de duas lutas inteiramente distintas, travadas em campos opostos e por motivos absolutamente opostos. A pessoa transgênera sabe-se transgressora e, em vez de se render à ordem que estabeleceu o seu comportamento como transgressivo, luta para mudar essa ordem.
A pessoa que se reconhece 100% homem ou 100% mulher, sem ter as credenciais exigidas pela sociedade para tal reconhecimento luta, antes de mais nada, e ainda que queira "disfarçar" isso, para preservar a ordem na qual deseja ardentemente ser encaixada. Para tanto, aceita ir ao extremo de ser clinicamente classificada como doente, necessitando de ajuda médica para “ajustar” seu corpo e sua cabeça às exigências de enquadramento de gênero da sociedade. As pessoas nesse grupo apostam todas as suas fichas no fato de que, uma vez reajustados seu “corpo” e seu “nome”, elas serão automaticamente aceitas como 100% homem ou 100% mulher pela sociedade. Uma aposta, diga-se de passagem, que invariavelmente resulta em grandes e profundas frustrações.
No caso da pessoa transgênera, a transição de gênero é um ato revolucionário, em que a pessoa assume uma outra identidade de gênero como forma de contestar a ordem vigente, e poder ser e se expressar como ela realmente sente que é. Eventualmente, a transição pode implicar em a pessoa assumir aspectos, ou até mesmo todo o modelo sociopolítico-cultural de homem ou de mulher vigente na sociedade. Mas é preciso que fique bem claro que, para a pessoa transgênera, o ato de assumir, desenvolver ou incorporar características socialmente tidas como masculinas ou femininas NÃO É executado “em nome de” ou "para a pessoa ser aceita” pela sociedade como 100% homem ou 100% mulher. Pelo contrário, é um esforço consciente de mostrar a total artificialidade e arbitrariedade do gênero enquanto dispositivo social de controle.
A transição da pessoa transgênera é um ato de guerrilha, não um ato de rendição à ordem vigente, opressiva e repressora, única responsável e causadora da condição de não-conformidade que o binarismo de gênero impõe a quem se recusa assumir a identidade de homem ou de mulher que recebeu ao nascer.
Como pessoa transgênera, apesar de ter o modelo feminino como fonte de formação da minha identidade e expressão do meu ser no mundo, e conseguindo “passar” 100% como mulher, sem nenhum esforço adicional, eu nunca pretendi ser socialmente reconhecida como 100% mulher.
Meu ato de “passar” é guerrilheiro: não foi nem é feito para atender as exigências da sociedade a fim de ser reconhecida como mulher, mas para mostrar que é perfeitamente possível ser quem eu sou sem precisar estar enquadrada em nenhuma categoria de gênero. E, principalmente, para ser reconhecida como GENTE, com direito pleno a manifestar-me no mundo da maneira que eu sou, usando e modificando meu corpo como bem me aprouver e convier, sem ter que pedir a bênção de quem quer que seja.
Acima de tudo, ao transicionar, estive empenhada muito mais nos meus papeis sociais do que no meu corpo, sem jamais abrir mão de ser marido, pai e avô, papeis que estão reservados exclusivamente ao homem na ordem binária vigente na sociedade. Fiz e faço questão de continuar a desempenhá-los, com a qualidade e a dedicação de sempre, mostrando que alguém que se apresenta socialmente como mulher pode, sim, desempenhar papeis que ainda continuam drasticamente "reservados" a homens. Como, aliás, as mulheres já vêm fazendo, com pleno êxito, desde o final do século XIX...
Como pessoa transgênera, apesar de ter o modelo feminino como fonte de formação da minha identidade e expressão do meu ser no mundo, e conseguindo “passar” 100% como mulher, sem nenhum esforço adicional, eu nunca pretendi ser socialmente reconhecida como 100% mulher.
Meu ato de “passar” é guerrilheiro: não foi nem é feito para atender as exigências da sociedade a fim de ser reconhecida como mulher, mas para mostrar que é perfeitamente possível ser quem eu sou sem precisar estar enquadrada em nenhuma categoria de gênero. E, principalmente, para ser reconhecida como GENTE, com direito pleno a manifestar-me no mundo da maneira que eu sou, usando e modificando meu corpo como bem me aprouver e convier, sem ter que pedir a bênção de quem quer que seja.
Acima de tudo, ao transicionar, estive empenhada muito mais nos meus papeis sociais do que no meu corpo, sem jamais abrir mão de ser marido, pai e avô, papeis que estão reservados exclusivamente ao homem na ordem binária vigente na sociedade. Fiz e faço questão de continuar a desempenhá-los, com a qualidade e a dedicação de sempre, mostrando que alguém que se apresenta socialmente como mulher pode, sim, desempenhar papeis que ainda continuam drasticamente "reservados" a homens. Como, aliás, as mulheres já vêm fazendo, com pleno êxito, desde o final do século XIX...
No caso de quem, neuroticamente, pretende só ser reconhecido como 100% homem ou 100% mulher por uma sociedade que já impediu a pessoa sumariamente de se expressar na categoria de gênero que “não pertence” a ela, o fundamento da transição não é oferecer resistência e muito menos desconstruir as normas de conduta de gênero em vigor na sociedade, mas aderir a elas e praticá-las integralmente. Isso faz do ato de transicionar, para essas pessoas, um processo extremamente reacionário e conservador, onde as famigeradas normas de conduta de gênero nunca são problematizadas mas, pelo contrário, assumidas e aceitas como “verdades inquestionáveis”.
Por serem duas lutas inteiramente distintas e travadas em campos opostos não há nenhuma possibilidade de diálogo ou colaboração entre as partes. Enquanto o movimento transgênero busca a plena e total LIBERDADE DE GÊNERO, desconstruindo as categorias oficiais de gênero enquanto discursos hierarquizadores, normatizadores e controladores da conduta das pessoas, o movimento de “readequação de gênero” quer apenas e tão somente o reconhecimento pleno e total das “pessoas transexuais” nos modelos masculino ou feminino em vigor na sociedade, sem oferecer nenhuma resistência ou problematizar a ordem binária de gênero, causadora da sua própria inadequação.
A busca pura e simples pela “readequação de gênero” implica na recusa sumária de qualquer tipo de diversidade de gênero, ou seja, na defesa intransigente do próprio sistema binário de gênero existente, em vigor há milênios na sociedade. É por isso e só por isso que os chamados “movimentos organizados” RECUSAM TERMINANTEMENTE RECONHECER QUAISQUER OUTRAS IDENTIDADES DE GÊNERO QUE NÃO SEJAM O HOMEM E A MULHER, e os seus “simulacros” aceitos e defendidos por esses movimentos, que são a transexual e, com muito favor e oportunismo, a travesti. Para essas pessoas, DIVERSIDADE DE GÊNERO é só um discurso politicamente correto, solene e pomposo, para ser repetido mecanicamente, da boca pra fora, em palestras e seminários, sem nenhuma iniciativa ou posicionamento de ordem prática.
LIBERDADE DE GÊNERO implica na plena e total aceitação da diversidade de gênero, no reconhecimento da total multiplicidade de identidades e expressões individuais das pessoas, o que por sua vez determina o contínuo e irrestrito combate a qualquer categoria de gênero que se pretenda hegemônica, bem como no combate sistemático à “obrigatoriedade” das pessoas em estarem enquadradas em uma das duas únicas categorias de gênero oficialmente existentes na sociedade: masculino e feminino ou homem e mulher.
A busca pura e simples pela “readequação de gênero” implica na recusa sumária de qualquer tipo de diversidade de gênero, ou seja, na defesa intransigente do próprio sistema binário de gênero existente, em vigor há milênios na sociedade. É por isso e só por isso que os chamados “movimentos organizados” RECUSAM TERMINANTEMENTE RECONHECER QUAISQUER OUTRAS IDENTIDADES DE GÊNERO QUE NÃO SEJAM O HOMEM E A MULHER, e os seus “simulacros” aceitos e defendidos por esses movimentos, que são a transexual e, com muito favor e oportunismo, a travesti. Para essas pessoas, DIVERSIDADE DE GÊNERO é só um discurso politicamente correto, solene e pomposo, para ser repetido mecanicamente, da boca pra fora, em palestras e seminários, sem nenhuma iniciativa ou posicionamento de ordem prática.
LIBERDADE DE GÊNERO implica na plena e total aceitação da diversidade de gênero, no reconhecimento da total multiplicidade de identidades e expressões individuais das pessoas, o que por sua vez determina o contínuo e irrestrito combate a qualquer categoria de gênero que se pretenda hegemônica, bem como no combate sistemático à “obrigatoriedade” das pessoas em estarem enquadradas em uma das duas únicas categorias de gênero oficialmente existentes na sociedade: masculino e feminino ou homem e mulher.
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