domingo, 3 de março de 2019

Sobre o Idiota

Hieronymus Bosch, O Concerto do Ovo, 1480
A sociedade contemporânea, com toda a sua vasta produção científica e enorme aparato tecnológico, está se destacando pela produção de um tipo de pessoa que parecia ter sido engolido pelo progresso da humanidade: o idiota.

O idiota era o personagem comum da idade média quando, diante da absoluta falta de informação de tudo, o mundo vivia mergulhado em crendices religiosas. Qualquer dor de dentes era considerada punição de Jeovah e tratada não através de intervenções médicas, mas de contínuas e severas orações e penitências destinadas a aplacar a ira divina.

Não por acaso, os "pecados" que motivavam os maus bofes do “Criador” estavam relacionados à desobediência aos ensinamentos e determinações dos pastores da época. Ai da ovelha que se revoltasse contra o que essa casta de espertalhões privilegiados chamava de “a vontade divina”, da qual ela se considerava a legítima representante e porta-voz na terra.

O idiota era capaz de acreditar em todas as coisas absurdas que os pastores lhe diziam, como a que a terra – plana, e não esférica como realmente é – era o centro do universo ou que o homem, que hoje sabemos fruto de um longo e extenso processo de evolução, tinha sido feito a partir de um boneco de barro, esculpido pelo “Criador”.

Os tempos mudaram, a ciência prosperou, o senso prático substituiu o tosco e primitivo senso religioso, a informação tornou-se fartamente disponível para qualuer pessoa (que se disponha a busca-la). As descobertas da ciência mostraram que todas essas crenças não passavam de sandices sem nenhum fundamento, utilizadas pelos “pastores religiosos” para iludir, amedrontar e com isso manipular os corações e mentes das suas ovelhas preguiçosas em buscar respostas e explicações por si mesmas.

Paradoxalmente, o científico e altamente tecnológico século XXI desenterrou o idiota dos jazigos da civilização, onde ele parecia estar definitivamente sepultado. E, como não podia deixar de ser, junto com o idiota ressurgiu toda sorte de espertalhões manipuladores, arvorados em representantes de Deus na terra.

Assim, em virtude do ressurgimento do idiota em larguíssima escala mundial, as grandes conquistas da ciências e os avanços da tecnologia correm o risco de serem postos a serviço da manipulação das massas idiotizadas.

As redes sociais, por exemplo, com seu inesgotável potencial de "arena virtual", a "ágora" ateniense estendida a todos os cantos da terra, se transformaram em esgotos fétidos, onde ratazanas distribuem sua saliva nonsense, contaminada por sua ignorância e falta de escrúpulos. Que me perdoem os ratos.

O idiota é a vaidade, a ignorância e o egoísmo humano levado às últimas consequências. Embora se diga submisso à vontade de Deus, o idiota se sente internamente como se fosse “professor de Deus”, julgando-se árbitro da moral e dos bons costumes, plenamente “habilitado” pelo Criador em xeretar a vida de qualquer pessoa em qualquer hora e lugar. E a “rogar pragas” em suas “malquerenças”, dizendo que o “Criador” punirá severamente todo aquele que não se submeter à “vontade divina”, leia-se, à vontade do idiota.

Como representante de Deus na terra, o idiota sente-se especialista em tudo, expondo e debatendo qualquer assunto com plena e total “autoridade divina”, não poupando requintes de tolice e estupidez colocadas como verdades eternas e inquestionáveis.

O grande problema do idiota é que ele jamais se reconhece como idiota: essa é a sua marca registrada. Acha-se inteligentíssimo, sapientíssimo, poderosíssimo, imenso, maior do que todo mundo, maior inclusive do que Deus que, da boca para fora, ele diz estar “acima de todos”, menos dele, é claro.

2 comentários:

Padre Marcelo Paiva disse...

Penso que os religiosos da Idade Média não agiam de má fé.

Cresceram nessa interpretação teológica do mundo. É anacronisno julgar as pessoas do passado com instrumentos do presente.

Além disso, mesmo com todo os avanços tecnológicos e biomédicos da atualidade, as questões do pós-morte e sentido/significado da dor/sofrimento não encontram respostas/significados no materialismo. O ser humano tem um desejo de transcendência/de que haja mais/além do que é apenas captado pelos sentidos e pela razão.

Padre Marcelo Paiva disse...

Penso que os religiosos da Idade Média não agiam de má fé.

Cresceram nessa interpretação teológica do mundo. É anacronisno julgar as pessoas do passado com instrumentos do presente.

Além disso, mesmo com todo os avanços tecnológicos e biomédicos da atualidade, as questões do pós-morte e sentido/significado da dor/sofrimento não encontram respostas/significados no materialismo. O ser humano tem um desejo de transcendência/de que haja mais/além do que é apenas captado pelos sentidos e pela razão.