A descoberta das dimensões do tempo está certamente entre as coisas geniais que o pensamento grego produziu muitos séculos antes de Cristo. Os gregos conseguiam identificar dois tipos de tempo – ou duas “dimensões” do tempo – que eles chamavam respectivamente de Cronos e Kairos. Cronos se referia ao tempo lógico - o tempo sequencial, que passa, determinando a existência de passado presente e futuro.
É importante lembrar que Cronos, na mitologia grega, é o deus que devora suas crias, tal qual o tempo cronológico faz com cada criatura que existe nesse mundo. Kairos se referia ao tempo psicológico – o tempo da memória e da imaginação – para o qual não há passado presente ou futuro.
Ao contrário do tempo cronológico que literalmente devora seus filhos e, portanto, encerra definitivamente a sua possibilidade de ação na mesma medida em vai passando, o tempo kairológico permanece como um universo permanentemente aberto, pleno de possibilidades de reflexão e ação, independentemente do momento histórico em que a pessoa se situa.
Foi graças à identificação e compreensão do tempo psicológico (ou kairológico) que os gregos conseguiram, por exemplo, “inventar” o teatro, em que, no início de uma peça, o ator é criança, minutos depois é jovem e mais alguns minutos se torna adulto, podendo voltar a qualquer momento à sua infância, sem se perca o fio da narrativa temporal. Algo impossível de se conceber quando tratamos do tempo cronológico, em que as coisas não só ocorrem sequencialmente como não podem voltar para trás.
A vida se desenvolve tanto no plano cronológico quanto no plano kairológico, tanto no tempo lógico quanto no plano psicológico. Mas uma coisa muito dura é quando as pessoas se tornam reféns do tempo cronológico, perdendo inteiramente a referência da imaginação, da oportunidade sempre aberta de viver a vida como ela é e como ela se apresenta a cada momento.
Infelizmente, a tendência é que, de um jeito ou de outro, quase todo mundo se torne escravo de cronos, deixando-se “devorar” pelo deus tempo, angustiados, passivos e deprimidos. É muito comum a gente ouvir alguém dizer: “ estou muito velha para isso ou aquilo”. Ou, pior ainda, gente tentando “rejuvenescer” fisicamente como se pudesse reverter o tempo e viver em momentos que não existem mais.
Embora a grande maioria não se dê conta disso, muito mais do que o “tempo cronos”, é o “tempo kairos” que preside a nossa vida – quando, evidentemente, as pessoas permitem que isso aconteça. Quando elas não se deixam escravizar por cronos e, a despeito do passar do tempo, conservam o senso de oportunidade e a imaginação criativa.
Como diz a velha canção, “quem sabe faz a hora / não espera acontecer”.
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