sábado, 29 de janeiro de 2022

Se você não conseguiu, é porque você não se esforçou o suficiente. Pois sim.

Trabalho duro, empenho, esforço e dedicação não significam de maneira nenhuma garantia de bons resultados. Quantas vezes você já ouviu alguém dizer, fora as vezes que disse para si mesma: “tanto trabalho duro, tanto esforço, empenho e dedicação... para nada...”.

Trabalho duro, empenho, esforço e dedicação são justificativas muito presentes no repertório da chamada meritocracia neoliberal, segundo a qual pobre não sobe na vida exatamente porque não quer saber de se esforçar, de trabalhar duro, de se empenhar e se dedicar muito além das suas forças.


Daí a romantização, cruel e pernóstica, que o sistema neoliberal é capaz de fazer de uma senhora de 80 anos, vendendo balas num semáforo, a fim de ter o que comer. Daí o elogio, podre e deslavado, de um jovem de 22 anos, que conseguiu concluir seus estudos de direito limpando privadas na mesma escola em que se formou.


Trabalho duro, empenho, esforço e dedicação SEM OPORTUNIDADES, além de uma boa lufada de sorte, só servem para criar ressentimento, medo, vergonha e culpa na cabeça da pessoa que nadou, nadou, nadou e acabou morrendo, mesmo tendo chegado a poucos metros da praia.


Eu não alcancei a recompensa PORQUE EU NÃO MERECI é a conclusão óbvia e mentirosa que tentam nos enfiar goela abaixo, hoje impulsionada pela praga do coachismo "vai que você consegue" e do evangelismo da prosperidade. Se Deus não me ajuda, é porque eu não mereci. Dá nojo pensar que a grande maioria das pessoas está condenada a pensar uma coisa dessas, morrendo de CULPA por não ter se esforçado "um pouquinho mais"...


Desprezo total pelas condições estruturais do país, que bate a “porta da esperança” na cara na maioria das brasileiras e brasileiros, mal eles e elas saem do útero de suas mães. Terra de oportunidades apenas para quem já nasce com oportunidades no DNA e ainda tem o despautério de bater no peito e dizer que trabalhou duro, que se empenhou, que se esforçou e se dedicou “acima das suas forças”. Impulsionada por nome de família importante, círculo de relações mais importantes ainda e saldo bancário, no país e no exterior, não tem “trabalho duro” (aff!) que não seja regiamente recompensado.


O resto é conversa pra boi continuar dormindo, deitado eternamente em "berço esplêndido", embalado por elites econômicas, políticas, jurídicas e religiosas que desde sempre têm seu "boi na sombra".

Um comentário:

Valéria Silvestre disse...

Excelentes observações!