quarta-feira, 29 de junho de 2022

Em vez de se acrescentar letras à sigla LGBT, o foco deveria ser o fortalecimento do movimento LGBT

É legítima e necessária a luta de todo grupo humano – seja ele racial, étnico, sexual ou de gênero – para ver-se reconhecido e representado na sociedade. Mas é preciso pensar com mais rigor e senso prático a adição indiscriminada de letras à sigla original LGBT. Com o acréscimo quase diário de variações de identidades sexuais e de gênero, a sigla tende a converter-se num matagal de letras, cada vez mais indecifrável para a massa da população.

Em que pese o orgulho e a elevação da auto-estima de quem se vê reconhecido na letra acrescentada, cada novo acréscimo de letra à sigla implica num aumento exponencial de dificuldade na comunicação com a população de uma sociedade majoritariamente heterossexual-cisgênera. Sem falar no aumento também exponencial da dificuldade e da complexidade de criação de políticas públicas robustas, capazes de atender ao público LGBT.

Para o povão, continuamos a ser viados, sapatões e travestis. As letras acrescentadas não parecem ter traduzido um entendimento maior das questões relacionadas às identidade e sexualidades transgressivas ou sócio-dissidentes.

A identidade “Q”, de queer, acrescentado à sigla LGBT, traduz em princípio, o sujeito saído da teoria Queer. Porém, não há nada menos queer do que advogar uma identidade queer, já que a base da teoria queer é a crítica robusta a todas as identidades e o objetivo de supera-las – elimina-nas – a todas. O “I”, de intersexual, está perfeitamente compreendido debaixo do guarda-chuva transgênero, em que, insistentemente, travestis e transexuais, insistiram em se destacar (chegaram a propor a sigla LGBTTT – transexuais, travestis e transgêneros, numa clara incompreensão do significado, especialmente político, do “T”). A mesma coisa se dá com os “Não-Bináries” que, felizmente, até agora, não reivindicaram a sua introdução na sigla, o que me faz pensar que se entendem, por princípio, como “transgêneres”, o que é corretíssimo no meu entender. 

Somente o “A”, de assexual e o "P", de pansexual, talvez coubessem como acréscimos na sigla LGBT, já que, em tese, nenhuma das letras existentes compreendem essas modalidades de orientação sexual. Mas a grande pergunta é: compensa? Vai acrescentar força ou aumentar o (enorme) grau de confusão já existente na população em geral quando se trata de identificar o que contém cada letra da sigla? 

A questão é que, em vez de se acrescentar letras indiscriminadamente, numa busca legítima – mas, ao meu ver, improdutiva, por representação – o foco principal deveria ser o fortalecimento do movimento LGBT, pela concentração de esforços na defesa dos direitos de todas as pessoas fora da cisheteronormatividade compulsória, independentemente da letra na qual se reconhecem. Nesse caso, o que conta, não é a sigla nem o acréscimo progressivo de novas letras, mas a compreensão de que existem parcelas substanciais da população que não são contempladas e, muito pelo contrário, são rejeitadas e excluídas pela suposta maioria cishétera da sociedade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Exato, já tenho até visto gente fazer piada com a sigla ao dizer "o movimento lgbtqhxyz+". O foco deveria ser simplificar e não complicar. Adoro seus textos. 💖💐