quarta-feira, 29 de junho de 2022

O Armário e o Grande Baile de Máscaras

        

O grande temor das pessoas é que os outros descubram quem elas realmente são. A maioria passa a vida inteira tentando desesperadamente disfarçar defeitos e imperfeições que deixariam à mostra o quanto a pessoa está fora dos padrões exigidos pela sociedade, escondendo características pessoais e evitando comportamentos que os outros poderiam ver como defeitos de caráter ou graves desvios de conduta. O resultado dessa dissimulação coletiva é que vivemos permanentemente num grande “baile de máscaras”, onde quase ninguém é o que realmente é e quase todo mundo luta desesperadamente para ser o que nunca foi.
        O que a pessoa é, fica guardado no armário, trancado debaixo de sete chaves, para consumo próprio, ou nem isso, como ocorre com a maioria, que tem medo até de se olhar no espelho e enxergar a sua própria verdade. O “grande baile de máscaras” e o “armário” são as duas opressivas instituições que garantem o funcionamento de uma sociedade cujas normas de conduta impedem que as pessoas sejam simplesmente quem elas são, exigindo que sejam alguém que nunca foram e que nem nunca serão.
        A definição mais simples de liberdade individual é desarmarizar-se e tirar as máscaras, abandonando de vez o auto-exílio do armário e o baile de máscaras, deixando os outros dançando sozinhos ao som pesado e monótono da repressão individual e coletiva.
        Mas haja coragem para isso! Apesar do seu altíssimo grau de insalubridade para o corpo e para a mente das pessoas, é um refúgio confortável e seguro contra as ameaças e pressões da maioria de mascarados que há muito tempo já perdeu até mesmo a noção da festa terrível em que se encontram.
        Sim: o armário é seguro e o baile é confortável. Não há nenhuma razão objetiva para sair do armário e, automaticamente, perder o direito de dançar no grande baile de máscaras.
        Sim: são gigantescos, inimagináveis, os riscos de sair do armário e perder os privilégios e recompensas de quem passa a vida por trás de máscaras sociais sorridentes e totalmente aceitáveis.
        Mas o problema é que não existe vida - vida real - nem dentro do armário, nem no baile de máscaras. Tudo que um bailarino mascarado/armarizado tem é uma imitação barata, um simulacro muito empobrecido do que a vida real pode ser quando a pessoa tem coragem de vive-la em sua plenitude, sem nenhuma proteção e sofrendo todas as ameaças de se apresentar com a cara limpa, a mente lúcida e o coração descontaminado de sentimentos opressivos como medo, angústia e ansiedade.
        Ainda que os outros possam ridicularizar, execrar e vilipendiar – e vão! – a pessoa que você é, continue lutando com todas as suas forças para sair do armário e cair fora do baile de máscaras. A recompensa será viver a vida como ela é, sendo a pessoa que você é, livre da escuridão e do mofo dos seus armários e do fingimento e hipocrisia do grande baile de máscaras


PS1 – o armário só abre por dentro. PS2 – segue o baile.

2 comentários:

Aurora Officialis disse...

Letícia, há pessoas no mundo LGBTQIA+ que deveriam ser trazidas à luz do conhecimento das novas gerações, como a terapeuta Wal Torres (Martha Freitas), que já deve estar com quase 80 e foi totalmente esquecida pela militância (fui paciente dela). Ela fez grandes contribuições ao estudo do gênero no Brasil e escreveu vários artigos acadêmicos ('papers') no assunto, com repercussão inclusive internacional. Não sei por que nunca falam dela no meio LGBT+. A última coisa que soube foi que ela está muito doente e vetusta, e vive em São Paulo amparada por uma cuidadora, se ainda estiver viva depois dessa pandemia toda. Talvez fosse uma figura do meio LGBT+ a ser revisitada. Você poderia escrever algo a respeito. Grande abraço! 🌹

Aurora Officialis disse...

P.S.: ela foi/é grande amiga da Maitê Schneider.