Amizade em tempos de redes sociais

O conceito de amizade, que já andava deteriorado há muito tempo, tornou-se ainda mais corrompido desde que as redes sociais começaram a chamar de seus “amigos” pessoas com as quais você nunca se encontrou e talvez nunca vá se encontrar. Até aí, nada demais. Há um filme que descreve a amizade, riquíssima, entre duas pessoas que nunca se viram mas, embora distantes, sempre viveram extremamente próximas uma da outra, através das cartas que trocaram entre si por anos a fio (84 Charing Cross, Nunca te vi sempre te amei, 1987).

O problema definitivamente não é a distância, pois distância não separa corações, nem mentes, nem interesses mútuos e afinidades que possam existir entre pessoas. O problema é a extrema vulgarização a que foi submetido o conceito de amizade pelas redes sociais. Amizade implica em troca, dedicação, entendimento e apoio recíprocos, coisas que definitivamente não se pode esperar das redes onde, muito ao contrário, o que prevalece são relações superficiais, construídas e mantidas em clima de permanente inveja e disputa, desentendimento (ou falsos entendimentos...), desinteresse pelos demais (ou interesses meramente do próprio indivíduo) e inexistência total de qualquer tipo de compromisso com o outro.

As redes sociais potencializaram ao máximo o desejo de Roberto Carlos, na música onde ele dizia querer ter “um milhão de amigos”. Na verdade, depois das redes sociais, a importância sociopolítico-cultural de alguém, assim como o seu “preço” de mercado, passaram a ser medidos pela “quantidade” de “amigos”- seguidores - que a pessoa pode exibir no youtube, no facebook, no instagram e/ou no twitter.

Podem imaginar o “valor de mercado” de alguém que não tem mais do que uma dúzia de “amigos” nas redes sociais? Além de transformarem as relações entre as pessoas num simples item operacional, as redes sociais monetizaram a amizade a tal ponto que há sites especializados que, a preços módicos, oferecem “amigos” e “curtidas” nas quantidades desejadas pelos clientes e de acordo com seus orçamentos para a construção de “redes de amizades”.

Mas mesmo com os “estoques de amigos” em alta, o que se vê é cada um e todos padecendo de solidão crônica, se queixando da ausência de companhia e do vazio das amizades. Um mundo de pessoas sós, em permanente S.O.S por alguém capaz de escuta-las, acolhe-las, ampara-las e caminhar junto com elas.

Contabilizar um milhão de amigos para fazer dinheiro com isso pode lhe trazer êxito financeiro mas não vai lhe garantir a mão amiga que você precisa, na alegria, na dor, na saúde e na doença. É preciso investir muito mais do que dinheiro para conseguir alguém assim. É preciso investir cuidado, atenção, carinho, respeito e todas essas coisas lindas e maravilhosas que a gente chama de amor. Coisas que você jamais vai ter sem SE DAR, sem AMAR, sem BUSCAR O OUTRO COMO META CENTRAL E IMPORTANTÍSSIMA DA SUA VIDA.

Erga as mãos para o céu e agradeça se os seus esforços de CULTIVAR A AMIZADE DE ALGUÉM resultarem em ter ao menos uma pessoa amiga, que possa ouvi-la, abraça-la, acolhe-la, ampara-la e caminhar junto com você nessa sua jornada pela vida.