Cabeça de gente transtornada não entende, não tem como entender e muito menos atender, às recomendações que recebe de como viver bem e ser feliz, em perfeita harmonia com o seu corpo, sua mente e o seu coração.
Reconheço as ótimas intenções de quem faz recomendações de otimismo e bem-viver, do tipo “amar a si mesma é a primeira coisa que você precisa fazer para se curar”, a uma pessoa em desespero existencial. Mas digo que tal recomendação não surtirá nenhum efeito prático-curativo numa pessoa em estado de auto-abandono e auto-comiseração. Nessa condição, ninguém consegue nem ao menos ouvir o que lhe é dito, quanto mais entender o conteúdo da mensagem e, por si própria, implementar as ações práticas que vão faze-la recuperar a sua combalida auto-estima.
Considerando o volume de mensagens de bem viver altamente positivas que circula nas redes não será por falta de frases otimistas, cheias de palavras bonitas e esperançosas, que alguém vai deixar de entrar ou vai sair dos seus estados depressivos.
Transtornos existenciais têm que ser encarados como estados patológicos graves, que não surgem por acaso, que levam às vezes muito tempo para se instalar e que não cederão terreno mediante simples mensagens positivas de auto-ajuda.
Dizer a uma pessoa deprimida que ela precisa reagir e lutar para sair da depressão é a mesma coisa que esperar que um grego entenda japonês. Sim, todo grego está basicamente equipado com os recursos necessários para aprender a ler e a falar japonês, mas isso não acontece de forma natural. Requer motivação, interesse e disposição para estudar e praticar o idioma japonês.
Da mesma forma, o idioma da cura – que ajuda a pessoa a se livrar do auto-abandono, depressão, ansiedade, angústia, etc. – também está disponível para todo mundo que padece de distúrbios socioemocionais, desde que a pessoa se disponha a aprender e a praticar muito, tal como faria com qualquer idioma. Precisamente aqui se encontra a chave de recuperação da pessoa sofrendo de distúrbios socioemocionais: motivação para se libertar deles, coisa dificílima de se obter, considerando o seu estado de depauperamento geral. O que uma pessoa em conflito menos tem é vontade de viver, exatamente o ingrediente número um para o início de um processo de mudança.
A mudança é a cura, mas o próprio organismo da pessoa se comporta como se estivesse firmemente comprometido em continuar doente. Não é fácil convencer às “redes neurais” da pessoa que a solução é abrir mão da “cabeça-dura-e-cristalizada” e investir em novas formas de viver a vida.
É isso mesmo: as redes neurais do sujeito o protegem até mesmo de realizar as mudanças comportamentais que irão conduzi-lo a outros patamares da existência. Como eu digo sempre, o lema do neurótico em sofri-mento é “mais vale um inferno conhecido do que um céu duvidoso”.
A rede neural instalada é o principal foco de resistência à mudança do indivíduo. Será preciso muita conversa e muita “artimanha” para “desconvencê-la” da sua rigidez e da sua firme disposição em não mudar.
Remédios? Ajudam o indivíduo apenas a “dopar” sua rede neural, de modo a não sofrer tanto. Mas o remédio, como o próprio nome diz, é apenas um paliativo, de duração temporária, que vai exigir sempre a ingestão de doses cada vez mais elevadas para “garantir” a redução de sofrimento da pessoa. Até hoje não apareceu nenhum remédio que convença a rede neural a ser menos dura, menos resistente, mais flexível e mais aberta a tentar novas ligações sinápticas.
Por enquanto, até que eventualmente isso aconteça, a fala e a escuta analítica ainda é a ferramenta que dispomos para tentar vencer a resistência da mente em promover a melhoria do bem estar das pessoas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário