São tantos os gozos artificiais, embalados e vendidos pelo mercado como “legítimo gozo” que a maioria das pessoas nunca teve ou há muito tempo já perdeu de vista a própria noção de gozo. Ou imaginam que o gozo pleno só será possível “após a morte” e, de acordo com suas crenças religiosas, desde que a pessoa evite sistematicamente toda forma de gozo natural e original nesse mundo.
Teorizar sobre gozo é uma demonstração de arrogância existencial, um completo desperdício de imaginação: só sabe o que é gozo quem goza; só se sabe o gosto de gozar, gozando. O gozo verdadeiro é uma experiência pessoal, que só pode ser descrita pelo sujeito em pleno gozo. Mas aqui o grande problema é que não há ninguém interessado em interromper o gozo, em pleno gozo, para descrever o gozo. Além do que o gozo verdadeiro não cabe definitivamente no universo das palavras.
Por isso, hoje em dia, a maioria já nem sabe mais, se é que algum dia soube, da existência do gozo real. Tudo que as pessoas experimentam é um gozo artificial, arbitrariamente transferido do que seria o gozo original para algum objeto de consumo, habilidosamente apresentado como objeto de desejo, o “gozo-fetiche” do nosso tempo.
Incapacitadas de gozar, por repressão e falta absoluta de treinamento, as pessoas são levadas a gozar em “fetiches do gozo”. Ao contrário do gozo, que é uma completa explosão de delícia de corpo e alma, o gozo fetichizado é um lapso imediato e muito curto de prazer, seguido de uma vaga e difusa percepção de total ausência de gozo. O gozo-fetiche deixa sempre a sensação de a pessoa ter sido totalmente ludibriada, ao descobrir que o fetiche, ao qual ela dedicou tanto investimento físico, emocional – e financeiro – não lhe trouxe nem um gostinho do gozo sonhado.
Pelo contrário. O gozo-no-fetiche, que eu chamo de gozo-fetiche, traz muito mais desgosto, insatisfação e dissabor do que contentamento. Dinheiro não traz gozo mesmo, podem acreditar. Casar não traz gozo mesmo; que o digam as jovens donzelas que investem tudo para encontrar seus príncipes-encantados que, por sua vez, fazem de tudo para encontrar suas belas-adormecidas. Adormecidos estão todos, embriagados pelas promessas de gozo de uma sociedade que jamais primou em cumprir o que promete aos seus vassalos.
Ou o objeto de gozo é o próprio sujeito, ou não há gozo. Não há gozo-no-objeto: só goza quem está gozando e nunca será nem ao menos possível saber se o objeto de desejo também está usufruindo de gozo. O gozo-fetiche é um gozo que representa apenas o mercado gozando de nós a partir da fragilidade do nosso desejo, da nossa incapacidade de administra-lo de acordo com a nossa vontade. O gozo-fetiche é só mais uma das apropriações e usos indébitos que o mercado faz do nosso desejo, travestindo-o em produtos, serviços e “conquistas pessoais” que definitivamente jamais significarão gozo, mas única e tão somente “ausência temporária de desprazer”. Ausência-de-desprazer essa que precisará ser permanentemente renovada, cada vez em doses mais elevadas de gozo-fetiche, para que a pessoa não mergulhe em profunda depressão e falta total de vontade de viver.
O gozo-gozo é sempre gostoso e nada custoso. O gozo-fetiche é sempre doloroso e altamente custoso. O verdadeiro gozo é uma espécie de morte prestando reverência à vida, e não de vida se inclinando à morte, como ocorre no gozo-fetiche.
Gozar é fartar-se de satisfação, deleitar-se do contentamento e prazer que fluem incessantemente no corpo todo - do corpo todo -, do dedinho do pé à pontinha da orelha, passando por todos os pelos existentes ao longo do trajeto, dando à pessoa uma sensação de inigualável plenitude e repouso.
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