ESPELHO, ESPELHO MEU... (Será mesmo meu?)

A imagem que uma pessoa tem de si própria é responsável por grande parte das suas insatisfações, desconfortos e sofrimentos existenciais. O que a pessoa não sabe é que essa imagem não é produzida por ela mesma, mas pela sociedade e a época em que ela vive. Imagem é a projeção de algo no espelho, no caso a projeção do que a pessoa é, do corpo que realmente tem, no espelho estereotipado e padronizado da sociedade.

Se a pessoa é gorda, velha, um pouco corcunda, se tem pneuzinhos ou canela fina, dentre outras coisas culturalmente vistas como “defeitos estéticos”, sua imagem pessoal resultará fatalmente feia, deselegante e desengonçada quando ela se olhar no espelho da sociedade. Da mesma forma, o espelho social é implacável em denunciar outros tipos de coisas que também considera como “defeitos” dos indivíduos. 

O espelho social também trata muito mal pessoas que não são ricas, famosas, bem sucedidas, poderosas e influentes, que não pertencem às elites da sociedade. Enfim, não é nada boa, no espelho social, a imagem de pessoas que não preenchem ou não alcançaram os padrões de beleza, inteligência, sucesso, poder e pertencimento a grupos sociais de destaque. 

Como resultado, as pessoas sofrem terrivelmente com suas imagens combalidas de pessoas feias, pobres, fracassadas e “malnascidas”, julgando-se responsáveis pelas suas supostas “desgraças”, denunciadas pelo “espelho social”. Triste e covardemente, as pessoas se sentem culpadas pela imagem pessoal que têm de si mesmas quando, na realidade, essas imagens nunca foram criadas por elas, mas pela sociedade em que vivem. 

Em outras palavras, são as imagens filtradas pelo imenso e implacável espelho social que fazem as pessoas sofrerem, dando-lhes, em acréscimo, a ilusão de que são elas próprias as responsáveis por suas características “impróprias” e “deterioradas”, tendo em vista os padrões e ideais vigentes num dado lugar e época. Você nunca será uma pessoa inteira e muito menos uma pessoa satisfeita com o que você é enquanto continuar se olhando no espelho da sociedade. 

Sempre faltará alguma coisa, sempre ficará um detalhe em aberto, sempre haverá muito mais itens que você não conseguiu preencher do que itens preenchidos. A psicanálise busca levar as pessoas a construírem os seus próprios espelhos. Ou seja, a criarem uma ética pessoal em vez de seguirem cegamente a moral e os costumes impostos pela sociedade. 

Ainda que muitos dos valores e objetivos existenciais que você coloca no seu espelho venham inevitavelmente do grande espelho social, o seu espelho sempre será único, uma vez que é construído com base nas suas próprias conclusões e decisões a respeito de si mesma, não nos estereótipos, modelos e padrões determinados pela sociedade.