Ora, se alguém necessita de atenção e cuidado depois de uma paulada não é o babaca que lhe apunhalou pelas costas, mas você, que está sangrando. É você que está machucada e precisa urgentemente de curativo, não ele que, a essa altura deve estar no bem-bão, quem sabe até gozando da sua cara.
Mas aí vem a sociedade com essa conversa fiada e piegas de que você tem que perdoar os outros pelas merdas que eles lhe fazem, independentemente do tamanho e do cheiro insuportável da merda. O discurso de “perdoar o outro” nos é vendido como um ato de grandiosidade, capaz de inscrever o perdoador no rol das pessoas moralmente superioras, aprovadas com louvor e distinção para ingressarem no céu, ainda que tenham que passar o resto das suas vidas atormentadas pela sombra dos vitimadores a quem foram moralmente obrigadas a perdoar.
Quem perdoa seus malfeitores nas suas mãos morre. Vide Jesus Cristo.
Embora nada lhe impeça de perdoar o outro mesmo não sendo juiz, o perdão verdadeiro não é algo que você dá a outra pessoa: é algo que você concede a si mesma.
O perdão realmente útil e necessário, do qual quase não se fala, não é o perdão ao outro, mas o perdão a si mesma. Perdoar, aqui, não tem nada a ver com passar pano pra gente que cagou feio na sua sorte. Perdão, aqui, significa perdoar-se a si própria por ter sido levada na conversa, por ter se enganado, por ter sido traída e passada para trás. Por ter de alguma forma contribuído ou permitido que alguém lhe fizesse o mal que lhe fez.
Esse é o ponto mais difícil de ser encarado porque, apesar do mau-caratismo do outro somos, sim, muitíssimo responsáveis pelo mal que ele nos fez. Para nos perdoar, seremos fatalmente obrigadas a encarar o fato de que, por ação ou omissão, de forma deliberada ou inconsciente, nós contribuímos para a nossa própria vitimação.
É mais fácil perdoar os outros do que perdoar-se a si mesmo porque é muito sofrido, muito humilhante, ter que reconhecer o quanto nós mesmas erramos, o quanto fomos responsáveis pelo que o outro nos fez. Não é nada agradável ter que reconhecer que grande parte do peso que carregamos, penosamente, sobre nossas costas, foi a gente mesma que ajudou a colocar ali.
Perdoar-me me obriga a olhar inevitavelmente para os meus erros, para as minhas percepções falhas, para as minhas expectativas ilusórias, para as minhas limitações humanas, enfrentando sentimentos muito desconfortáveis como raiva, culpa, tristeza e arrependimento.
Mas quando alguém nos causa um ferimento, nós nunca nos livraremos da dor simplesmente “perdoando” nossos vitimadores, tentando nos comportar como espíritos superiores generosos e abençoados. Nossa ferida jamais cicatrizará com esse simples expediente de “superioridade moral”. A cura depende de autoperdão que, por sua vez depende de estarmos dispostas a descer aos infernos, com a humildade de quem reconhece as limitações, os erros, os tropeços e os atropelos de se ser uma pessoa humana.
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