A questão é que tal enredo redentor definitivamente não existe, ou melhor, não existe enquanto poção milagrosa capaz de nos redimir de todas as incertezas da vida. Não há um único enredo redentor mas uma série de possibilidades de “enredos redentores”. O que significa que dificilmente o meu enredo é inteiramente igual ao seu, ainda que possa ter muitos pontos em comum. Significa, também, que a busca por enredos que deem direção e sentido à vida de cada pessoa é tarefa exclusiva de cada pessoa, não podendo ser de maneira nenhuma delegada para quem quer que seja.
Cabe a mim e somente a mim encontrar direção e sentido em minha vida. Cabe a mim e somente a mim desenvolver enredos que fundamentem e justifiquem a minha existência para mim mesma. Enredos que podem não ter nenhum significado para os outros mas que constituem o próprio núcleo da minha existência.
A sociedade fornece, ou melhor, empurra goela abaixo de cada indivíduo, um enredo absolutamente único e estereotipado, que consiste em ser rica, poderosa, bonita e famosa. Esse é o enredo que destrói, que corrói, as entranhas das pessoas e faz com que todo mundo se movimente feito doido em direção ao sucesso pelo sucesso, ao êxito pelo êxito. Esse é o enredo que tem levado todo mundo à mais profunda depressão, primeiro por descobrir que se trata de um enredo que não leva a nada de concreto de em termos existenciais, e segundo por demasiado grande e ambicioso para a capacidade e os recursos limitados de cada pessoa.
O enredo redentor não é nem precisa ser um enredo grandioso e grandiloquente, mas um enredo que leve a pessoa a ter uma vida prazerosa e recompensadora dentro dos limites e possibilidades individuais de cada uma. O enredo redentor é um enredo que preenche o vazio de cada pessoa com os recursos e possibilidades de cada pessoa. Um enredo que jamais tenta preencher o próprio vazio com o vazio de qualquer outra pessoa. Eu não de maneira nenhuma responsável por tudo que acontece em minha vida.
Pelo contrário, na maior parte do tempo, eu sou vítima das exigências e normas de conduta da sociedade em que eu vivo. Mas, se eu não posso enfrentar as pesadíssimas estruturas sociais, políticas e econômicas que impedem a minha realização pessoal em múltiplos sentidos, eu sempre serei capaz de escrever um enredo de sucesso para mim mesma, dentro das condições e possibilidades que eu possuo.
Não será o grande “enredo redentor” que mudará a minha vida da água para o vinho, para sempre. E dificilmente será um enredo capaz de fazer com que eu seja bustificada, enciclopeidada e emplacada pela sociedade. Mas será o enredo que dará sentido e direção à minha vida. Quer algo maior e melhor do que isso?
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