sábado, 4 de fevereiro de 2023

Onze observações quanto à sua jor-nada

Construir-me como pessoa única, livre e autônoma, tem sido o meu maior propósito na vida. Quase sempre, tenho sido obrigada a caminhar a passos muito lentos e pequenos nessa construção. E muitas vezes tive que parar e até mesmo retroceder na minha jornada a fim de continuar caminhando. 

Mas construir-se não é tampouco um trabalho fixo e uniforme. Muito do que eu achava que eu devia ser há dez ou vinte anos, não tem mais o menor significado no meu processo de crescimento. E muitas coisas pelas quais eu batalhei ardentemente durante muito tempo provaram-se perfeitamente inúteis. Caminhar requer duas virtudes fundamentais: coragem para avançar e humildade para retroceder, reconhecendo os erros, os equívocos e os descaminhos trilhados. 

1 - Não siga os mapas dos outros, sejam eles quem quer que sejam. Os seus próprios mapas são os únicos capazes de conduzir você para o lugar onde você precisa ir. 

2 - Ninguém pode caminhar por você ou no seu lugar. Sua jornada é única e, por mais que seja parecida, não é igual à jornada de mais ninguém. Prepare-se, assim, para ter a solidão como companhia constante. E desista inteiramente de seguir os passos dos outros, a menos que queira se perder inteiramente do seu caminho. 

3 - Eventualmente você descobrirá, sim, pessoas que, embora estejam trilhando o caminho delas, estarão dispostas a lhe acolher e lhe dar a mão quando as coisas se tornarem muito difíceis. Em hipótese nenhuma despreze ou recuse a ajuda de tais pessoas. E esteja, você mesma, disponível para ajudar outras pessoas quando a ocasião chegar. 

4 - Resista fazer qualquer tipo de comparação com quem quer que seja. Pessoas lhe parecerão estar andando mais rápido e estarem mais à frente do que você. Se você se comparar a elas, vai ficar humilhado e sentir inveja por não conseguir caminhar no mesmo ritmo que elas. Mas haverá também aquelas tantas outras pessoas que parecerão estar muito atrás de você e que, se você se comparar a elas, vai ficar orgulhoso e cheio de si. Orgulho e humilhação são dois péssimos sentimentos para se ter na jornada, que aparecerão fatalmente se você se comparar aos outros. 

5 - Fuja de atalhos. Em vez de acelerarem o ritmo da viagem, eles sempre levarão você para becos-sem-saída e despenhadeiros. 

6 - Conhecimento e sensibilidade são a única bagagem que você deve levar na jornada. E ao contrário de bens materiais e equipamentos pesados, comercializados como excelentes recursos para o viajante, eles não não lhe pesarão nada. Pelo contrário, tornarão você cada vez mais leve e resistente às ameaças da estrada. 

7 - Tudo tem seu tempo e tudo virá ao seu tempo. Não se apresse em chegar, nem tente fazer mais do que você dá conta. Afobado come cru e guloso morre entalado. 

8 – Os muitos atrativos à margem da estrada são extraordinariamente atraentes e sedutores, e ainda não se tem notícia de algum viajante que não tenha se rendido a eles, ainda que só por um tempo. Que seja esse o seu caso: render-se a eles apenas pelo tempo suficiente para descobrir que eles não são o verdadeiro objetivo da sua viagem. 

9 – Ainda que você tenha que vender seu próprio corpo a fim de prosseguir viagem, não se corrompa nem se prostitua, ou seja, não coloque sua alma à venda nem aceite ofertas para que ela seja comprada. 

10 – Imagine-se sempre chegando ao final da estrada, independentemente do trecho dela em que você se encontre. Mas jamais tenha ilusões ou expectativas de como as coisas haverão de ser. Lembre-se: o propósito da jornada é caminhar - não chegar. Chegar é apenas uma consequência de quem caminha. 

11 – Prepare-se para a descoberta maior de todas. Como já cantou meu mestre Gilberto Gil, a jor-nada ao final vai em dar nada, nada, nada, nada, do que você pensava encontrar.

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