Ao mesmo tempo que vamos internalizando os padrões de perfeição que nos são impostos pela sociedade, vamos também descobrindo, com imensa dor, o quanto somos criaturas imperfeitas, limitadas, vulneráveis e inconstantes, o quanto estamos incapacitadas para atender as imensas “demandas de perfeição” que foram colocadas em nossas costas. O quanto estamos longe de ser tão inteligentes, tão belas, tão ricas, tão bem sucedidas, tão famosas e tão bem ajustadas em relação aos padrões de perfeição que nos foram ensinados.
Diante dessa extremamente incômoda descoberta, é inevitável o surgimento de um agudo “senso de inadequação”, conhecido como culpa, resultante do medo e da vergonha de não estar correspondendo ao ideal de perfeição que nos é imposto pela sociedade. Uma vez capturada pela culpa, raramente a pessoa questiona as condições que a sociedade lhe oferece para atender os padrões que lhe foram impostos e, mais raramente ainda, questiona o próprio ideal de perfeição estabelecido pela sociedade.
Em lugar de um posicionamento crítico das formas de opressão social, as pessoas simplesmente se julgam culpadas pelo seu insucesso em atender o ideal de perfeição da sociedade, passando incansavelmente a se punir, ou seja, a sofrer. Prisioneira de si mesma (em nome da sociedade...), a pessoa culpada vive num clima de permanente tormento psíquico, aterrorizada, de um lado, com a terrível noção de fracasso pessoal e, de outro, imobilizada por uma tremenda incapacidade de ação, diante do desejo de atender – sem poder – o ideal de perfeição que lhe foi imposto pela sociedade.
A clínica da culpa consiste em levar a pessoa a admitir que, na realidade, ela não tem culpa nenhuma. Que ela tem investido toda a sua energia num jogo totalmente errado e fora de propósito, concebido pela sociedade como forma de manter a dominação e o controle sobre os seus membros. Que livrar-se da culpa implica em sair do “jogo da perfeição” e passar a jogar o “jogo da existência”, onde cada pessoa vale pelo que é – e não pelo que “deveria ser”.
Naturalmente, a “cura” da culpa implica na constituição de uma ética pessoal, em que o indivíduo se torna capaz de fazer – e honrar – suas próprias escolhas e os seus próprios padrões, em lugar de seguir, de forma inconsciente e inconsequente, as escolhas e os padrões que lhe foram impostos pela sociedade.
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