sábado, 29 de abril de 2023

O monstro que vejo do lado de fora...

 

  “Não é o outro que lhe causa seu mal-estar. É você que se deixa levar pelas ações do outro que lhe causam mal-estar”. A aparência inocente, estimuladora e bondosa dessa frase esconde a velha e esfarrapada desculpa do estuprador, segundo a qual a responsável pelo estupro é a própria vítima. Conclusão: você é, portanto, a única causadora do seu mal-estar, a despeito das constantes ameaças, investidas e violências do outro.

    Pouca gente se dá conta de como é cruel e absurdo ler essa afirmação pseudo-terapêutica rasa, pra lá de mentirosa, que circula solenemente nas redes sociais como fórmula mágica para alguém se “libertar” das influências dos outros em suas vidas. Clinicamente, não há nada mais difícil do que alguém – já nem digo se libertar, mas ao menos posicionar-se de maneira consciente – diante da presença nefasta do outro em sua vida, que é o fenômeno mais antigo e mais permanente na vida de cada pessoa.

    Também não se trata, do ponto de vista psíquico, em a pessoa “livrar-se” de um traste específico que esteja azucrinando sua vida nesse momento. Essa libertação, embora altamente recomendável, dificilmente levará a pessoa a libertar-se da real influência do “outro” em sua vida, pois essa já está convenientemente introjetada no seu próprio eu, como fruto do longo processo de socialização que vem recebendo, a rigor desde o útero da sua mãe. Teoricamente, é até muito fácil sair de uma relação tóxica, pois bastaria abrir a porta e afastar-se de tudo que esteja relacionado a esse outro.

    Contudo, na prática, não era exatamente o outro que estou vendo do lado de fora o grande causador do meu mal-estar, mas o outro do lado de dentro, o poderoso “outro” introjetado dentro de mim. Teoricamente, é muito fácil sair de um casamento falido, de um chefe assediador, de um grupo de “amigos” que nos domina e escraviza. Difícil será tirar esse povo todo DE DENTRO DE VOCÊ. Como se diz lá em Minas,  cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça.

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